por Marcelo Seabra
A premissa é bem estranha: passando por uma crise forte de depressão, um agora recluso executivo e pai de família passa a usar um fantoche na mão e, por ele, fala tudo o que tem vontade. Pode parecer descabido, mas Um Novo Despertar (The Beaver, 2011), que estreia nos cinemas nesta sexta-feira, é um filme sensível que trata uma questão delicada de uma forma inusitada.
No início da projeção, supõe-se que será um dramalhão que brevemente servirá como filme da semana na TV a cabo. Em seguida, temos momentos engraçados que quebram bem o clima e sinalizam outra direção. E, então, o roteiro dá outra guinada e as coisas ficam realmente estranhas. É neste último trecho que o longa se diferencia radicalmente de A Garota Ideal (Lars and the Real Girl, 2007), outra ótima produção que examina os caminhos que seguimos em uma situação extrema de desgaste mental e falta de perspectivas. Seria interessante discutir o andamento do roteiro com um especialista da área da saúde para sabermos se Kyle Killen conhecia bem o assunto sobre o qual escreveu. Este é o seu primeiro filme, seguindo algumas séries de pouca visibilidade, como Lone Star (2010), cancelada após dois episódios.
Mel Gibson, visto recentemente no também sombrio O Fim da Escuridão (The Edge of Darkness, 2010), vive Walter Black, um sujeito que já não tem forças para nada, não se comunica direito com ninguém e está vendo sua empresa e sua família irem para o mesmo buraco. Sua esposa (Jodie Foster, de Valente, de 2007) não sabe mais como lidar com a situação e os dois filhos do casal tentam passar despercebidos pela vida. No fundo do poço, Walter encontra um fantoche e começa uma espécie de terapia alternativa. Ele se comunica através de um castor em sua mão e, por incrível que pareça, o animalzinho de pelúcia lhe proporciona uma grande mudança de rumo.
Em uma trama paralela, temos Anton Yelchin (de Star Trek, de 2008) vivendo o filho mais velho de Walter, o que não se adapta ao castor. Ele ganha algum dinheiro fazendo trabalhos de faculdade para colegas e acaba sendo procurado pela garota mais popular da escola, a recém indicada ao Oscar Jennifer Lawrence (de Inverno da Alma, de 2010). Se esse núcleo não acrescenta muito, também não compromete, e os jovens atores garantem direito a comentários positivos sobre eles.
De longe, o maior trunfo de Um Novo Despertar (título safado, como vários outros genéricos usados atualmente) é a atuação de Mel Gibson. Ele prova que, apesar dos escândalos que anda protagonizando, ainda é capaz de entregar uma performance forte e convincente. E não é pouco dizer isso de um cara que passa quase todo o filme com um castor de pelúcia no braço – o que, para muitos críticos, foi duro de aceitar. Jodie faz um bom trabalho como atriz e como diretora, conduzindo bem o filme para evitar cair em armadilhas como buscar o choro fácil da platéia. Ao contrário do esperado, o andamento da história acaba lembrando de relance alguns elementos de Clube da Luta (Fight Club, 1999). E não posso deixar de mencionar a grande participação do tal castor, muito bem aproveitado pela equipe. Ele chega até a ter expressões ameaçadoras dependendo de como é filmado. E Gibson tem uma chance de usar o sotaque australiano que escondeu esses anos todos.
Jodie Foster tinha Um Novo Despertar pronto desde novembro de 2009, mas vários atrasos fizeram com que ele só chegasse aos cinemas agora. No meio do caminho, Gibson se viu em uma disputa contra a ex-namorada, que o acusou de ser violento, racista e anti-semita, e o longa acaba servindo como uma oportunidade para levantar o nome do ator. Apesar de ter tido uma boa recepção no Festival de Cannes, a produção não empolgou muito o público americano nas primeiras semanas em cartaz. Se as pessoas conseguirem separar a realidade da ficção e tiverem boa vontade para conhecer o novo trabalho de Gibson, sua carreira poderá começar um caminho rumo ao restabelecimento.
A melhor forma de apreciar este filme é se esquecer de seus bastidores e não deixar se ofuscar pelos problemas pessoais de seu protagonista. Anos atrás, outro ator famoso por comédias românticas – Hugh Grant – envolveu-se com uma, digamos, “profissional do sexo” e foi pego pela polícia. Sua foto percorreu os noticiários mundo afora e ele teve que se desculpar com meio mundo para ter sua redenção de volta. A questão é que na época ele estava divulgando a estreia de seu filme nos EUA e no resto do mundo – Nove Meses (1996) – e esta pequena polêmica só aumentou a arrecadação do longa. A despeito de quem tem razão sobre o que aconteceu entre Mel Gibson e sua ex-namorada, o que fica é que este é um bom filme, com um ou outro escorregão que não incomoda tanto assim (nunca é dito realmente o que causou a intensidade da depressão de Walter Black e simplesmente estar em um trabalho que não lhe satisfaz, mas ter uma família que lhe apoia por tanto tempo não se torna requisito para se chegar aquele estado vivenciado pelo personagem). É quase um ‘feel good movie’, guardadas as devidas proporções e isto, em meio a uma reciclagem de temas e uma escassez de ideias originais que povoa o cinema hollywoodiano, é um feito a se contar.