Muito barulho por nada na série dos Kennedys

por Marcelo Seabra

Depois de ter gerado certa controvérsia nos Estados Unidos e ter dividido a crítica, a minissérie The Kennedys chega ao Brasil. Por aqui, em um país acostumado com escândalos na política e onde poucos se importam com o nível dos adjetivos imputados ao seu presidente, a polêmica é difícil de ser compreendida. Jack Kennedy era inexperiente, inseguro e mulherengo. E daí?

Como o título já deixa claro, a série não acompanha apenas o ex-presidente, apesar de tudo girar em torno dele. O primeiro dos oito episódios começa em 1960, na véspera da eleição de John F. Kennedy (Greg Kinnear, de Zona Verde, de 2010), e usa flashbacks para dar um panorama geral da história da família. Joe Kennedy (Tom Wilkinson, de O Escritor Fantasma, de 2010) sonhava com a presidência e pensou estar perto disso quando foi nomeado embaixador. Uma desavença com o gabinete do então presidente Roosevelt fez com que perdesse o cargo, e o sonho foi por água abaixo. A partir dessa constatação, Joe passa a planejar meticulosamente os passos do primogênito, Joe Jr. (Gabriel Hogan), depositando suas esperanças nele.

A exemplo do inglês Henrique VIII, que se tornou rei com a morte do irmão, John (ou Jack, como os amigos o chamavam, vivido nessa fase por John White) perde Joe Jr. na guerra e passa imediatamente a carregar o fardo de ter que realizar o sonho do pai. Mesmo sendo relativamente inexperiente e ganhando eleições com a ajuda dos truques e do dinheiro de Joe, Jack chega à liderança do governo dos Estados Unidos.

A família ficcional reunida

Usando filmagens da época e recriando outras tantas situações, The Kennedys acaba sendo bem didática, e por vezes até demais. Sabemos o que acontece com os personagens, já que a família é conhecida no mundo todo, mas os diálogos criados soam artificiais e insossos. Em um primeiro momento, pensei estar assistindo a um daqueles documentários exibidos para crianças em excursões a museus. Com o segundo episódio, as coisas melhoram um pouco, acompanhando momentos importantes da história do país sem deixar de lado a intimidade dos personagens. A ótima caracterização é outro elemento importante, ajudando a criar o clima.

Como casal principal, Greg Kinnear e Katie Holmes (que vive Jackie Kennedy – de Batman Begins, 2005 – à esquerda) não exibem química alguma, tendo poucas cenas juntos e demonstrando intimidade zero. Separados, funcionam bem, sem chamar muito a atenção (o casal real está à direita). Bobby Kennedy, vivido por Barry Pepper (de Ripley – No Limite, de 2005), é o irmão mais novo que dá suporte à candidatura de Jack e sempre gravita em torno dele. Pepper entrega uma interpretação correta e ganha forçaem pontos-chave. Mas a tela realmente se incendeia quando entra Tom Wilkinson, o nome mais forte do elenco, dando humanidade a uma figura aparentemente detestável. Uma indicação ao Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante em uma série de televisão não seria exagerada.

É na retratação destas figuras que mora a controvérsia que mencionei no início do texto. O criador e produtor da série, Joel Surnow (co-criador do sucesso 24 Horas), é um conservador de direita assumido e foi acusado de usar o veículo para atacar a família. Os primeiros roteiros que vazaram foram classificados de “vingativos” e “maliciosos” por um antigo auxiliar de JFK. Por isso, Caroline Kennedy, filha do casal, empreendeu um lobby pelo boicote à série, auxiliada pela prima jornalista Maria Shriver, recém-separada do “governator” Arnold Schwarzenegger.

A família real reunida

Tanto foi feito – e a influência da família “real” americana é forte – que o History Channel desistiu de exibir o programa, alegando que “essa interpretação dramática não seria adequada à linha do canal”, segundo o Hollywood Reporter. Depois de passar por várias possibilidades e levar incontáveis “nãos”, a série ganhou um lar no Reelz, canal da TV a cabo norte-americana que atinge 60 milhões de lares. O resultado da arriscada empreitada foi o novo recorde de audiência do canal, com 1.3 milhão de espectadores na estreia e 1.4 milhão no encerramento, mantendo uma média de 700 mil.

Segundo Michael Prupas, presidente do estúdio Muse Entertainment e produtor-executivo da série, todos os roteiros finais foram aprovados pelos historiadores do History Channel e até advogados assistiram aos episódios prontos. A decisão do History Channel americano é bem paradoxal, já que o braço inglês da empresa descreve a série como “épica e corajosa”. No Brasil, poderemos conferir The Kennedys exatamente no History Channel, que exibe a estreia na segunda-feira, 23/05, às 22h. Hoje, domingo, 22/05, o canal A&E também passa, mas às 21h.

Como já conhecemos a fama de Jack Kennedy e de sua família, a impressão que fica é que a série pegou muito leve, ao contrário das afirmações mais radicais. E o barulho causado por esse boicote acabou atraindo ainda mais atenção ao projeto. O público brasileiro, seguindo vários outros países, poderá tirar suas próprias conclusões.

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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