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Meus dias com a JBS-Friboi. Ou: o crime jamais compensa

Há cerca de 30 anos, meu caminho se cruzou com o dos irmãos Batista. Eu não fiquei bilionário, mas estou livre e feliz da vida

Não há bilhão que compre isso

Em 1989, com pouco mais de 20 anos, tive a benção de começar a trabalhar em uma empresa que definiria o meu futuro profissional e, ouso dizer, pessoal. Chamava-se Haarman & Reimer, uma subsidiária do conglomerado alemão Bayer. Lá aprendi a trabalhar e conheci aquele que me serviu de modelo para toda a vida: Éder Ramos, meu ex-chefe e amigo para sempre.

Eu atendia os clientes de Minas Gerais e alguns estados vizinhos, dentre eles Goiás. Havia um frigorífico em Luziânia, cidade com pouco mais de 100 mil habitantes à época. Eles fabricavam sabão em barra e compravam matéria-prima desta empresa onde eu trabalhava. Assim, eu cruzava os quase 700 quilômetros que separam BH da pequena cidade goiana, em um Fiat Uno véinho, véinho, para tentar ganhar alguma comissão com a venda. O frigorífico chamava-se Friboi. O “comprador” que me atendia, Wesley. Seu irmão, Joesley. Sim, amigos! Eram os irmãos Batista, da J&F.

O Friboi era um frigorífico de médio para grande porte. Um orgulho para a pequena cidade, que basicamente vivia da mão de obra empregada pela empresa. Havia uma escola, um clube e um posto de saúde bancados pela família. Júnior, o irmão mais velho e responsável pela empresa, ostentava orgulhoso o belo trabalho social que faziam por lá. Pessoalmente, sempre tive muita satisfação em atender o Friboi, pois era um bom cliente e um belo exemplo empresarial.

Depois de 13 anos, resolvi seguir minha vida. Decidi empreender e me mudei para São Paulo. Como trabalhava no mesmo setor, mantinha contato com os meus ex-colegas de H&R. Um dia, fui com alguns deles à Barretos, no interior do estado, a convite da já JBS (antiga Friboi), participar da tradicional Festa do Peão Boiadeiro. Fiquei surpreso — para não dizer embasbacado! — com a estrutura que a empresa havia montado para o evento. Só havia visto algo parecido em feiras internacionais, onde as gigantes multinacionais não economizam em luxo e ostentação. Meu Deus, que potência tornara-se aquele frigorífico de Luziânia. Que felicidade ver aqueles rapazes, que sempre me trataram tão bem, prosperarem tanto assim.

Pois bem. Esta foi a última vez que vi Wesley, Joesley e Júnior. Ao menos pessoalmente, claro. Não sei em que momento aqueles jovens irmãos se perderam. Não sei quando nem por que foram tocados pelo “lado negro da força”. Não tenho a menor ideia do motivo que os fez abandonar aquele modelo empresarial, onde o bem-estar social era tão importante; onde profissionalismo, meritocracia e ética eram o combustível para o crescimento sustentável do grupo. Só sei que tudo isso é muito triste de se ver. O Brasil, além de bilhões de dólares, também perdeu algumas de suas melhores cabeças empresariais com este lamentável episódio.

Durante muitos anos tentei reproduzir no meu negócio — mesmo que em escala minúscula — parte do que aprendera com aquele frigorífico. E acho que consegui! Enquanto fui sócio da empresa que fundei, absolutamente todos os funcionários eram os mesmos desde o primeiro dia. E assim foi, por mais de 15 anos, quando finalmente parti para um novo rumo. Manter 100% do quadro de colaboradores era a certeza de estar sendo justo e fiel àqueles que caminhavam ao meu lado. Não havia dinheiro que pagasse a satisfação pessoal de me sentir (e ser!) querido pelos meus colegas de trabalho.

Jamais perdoarei o que Joesley, Wesley e companhia fizeram ao Brasil. Jamais os perdoarei pelo dinheiro que roubaram dos brasileiros pobres. Jamais perdoarei o golpe que impuseram à já frágil democracia nacional, corrompendo os Três Poderes da República. Se vivemos num país tão precário assim, certamente eles têm muita culpa por isso. Mas, sobretudo, jamais os perdoarei pelo maior dos seus pecados: transformar meus ídolos empresariais de outrora, em reles hóspedes da Papuda, em Brasília.

Passados 30 anos, posso lhes afirmar com a mais absoluta certeza: não há bilhão que compre a liberdade e um abraço apertado (seguido de um beijo) da filha, ao chegar em casa, depois de um dia inteiro de trabalho duro e honesto.

Eu sei que meus ex-ídolos empresariais já esqueceram o que é isso (trabalho honesto). Torço, agora, para que também esqueçam o que é um abraço apertado de um filho. Será sinal que a estadia brasiliense foi bem longa.

Leiam também.

Ricardo Kertzman

View Comments

  • Dizem que todo homem tem o seu preço, eu admiro aqueles, que como você, o preço é o da dignidade e não do vil metal. Parabéns amigo pelo belo texto.

  • Ricardo, lendo esta sua irreparável história ( de vida) parafraseio o inesquecível Tom Jobim: " se todos fossem iguais a você", tudo seria bem mais fácil e bem mais leve. Que pena que depararmos com esses indivíduos corrompidos. A pena que digo, não é no sentido de dó, pelo que passam agora, mas sim por eles se perderem na luta, ao longo do caminho. Ao que conseguimos identificar no texto, berço eles tiveram, aprenderam a serem honestos, a serem justos, mas o dinheiro falou mais alto, se perderam pelo luxo, pelo dinheiro fácil, pela locupletação ilicita. Acredito, piamente que todos tem um preço, o meu é a minha consciência tranquila. Já outros...

  • Ricardo, de Braga terás sempre alguém a te receber e também a sua família. A vista é bonita, a cidade flui, os rios são limpos e certamente modelos de empreendedorismo e perspectivas de futuro não há de faltar onde valores e virtudes se fundem. Apesar de pouco me manifestar, continuo acompanhando suas ideias. Auf wiedersehen.

  • Ricardo, seus textos são absolutamente tudo aquilo que queremos dizer aos ladrões, delinquentes e esquerdopatas brasileiros. Mas este, sem dúvida, foi o melhor!
    Parabéns!

  • amigo, posso te dizer que o capitalismo/liberalismo perde o sentido quando voce passa do primeiro bilhao de dolares. Esses vermes corromperam o sistema, destruíram a concorrência, pra eles nao era mais interessante manter a etica e o profissionaslismo, é mais facil virar um metacaptalista como de fato eles o fizeram.

  • A um filme de máfia, que não me lembro o nome, de máfia, que se tem um dialogo que se diz o seguinte em determinada cena: NUNCA SE ENVOLVA COM ELES, eles eram os políticos.
    Talvez o erro foi pensar que se tem poder juntando com está turma.
    Grandes empresários, aqueles que respeitam a sociedade, ficam distante desta turma.

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