Beatles são a atração de Yesterday

por Marcelo Seabra

Alguns filmes dão a impressão de “jogo ganho” de cara, mesmo antes da estreia. É quase uma obrigação gostar deles. Isso, por trazerem consigo elementos amados por todos, como a trilha sonora. Yesterday (2019) tem esse trunfo e vai ainda mais longe: traz, como pano de fundo, os Beatles. Ter um protagonista adorável também ajuda muito. Mas, nem por isso, o longa deixa de nos dar uma sensação de potencial não atingido.

A obra, cuja história foi criada por Jack Barth e Richard Curtis (de Questão de Tempo, 2013), imagina um mundo sem o quarteto de Liverpool, mas uma pessoa manteve suas lembranças. Jack Malik (Himesh Patel, da série EastEnders) é um músico sem sucesso que divide seu tempo entre shows vazios e o trabalho no estoque de um supermercado. Um acidente bizarro faz com que ele acorde sendo a única pessoa que se lembra de John, Paul, George e Ringo. O que permite que ele se apresente como o autor de faixas incomparáveis da música.

Patel é uma grande descoberta, já que ainda não tinha tido uma grande oportunidade no Cinema. Com um jeito bem comum, necessário ao papel, o ator convence como a pessoa que não sabe lidar com a fama repentina, além de lutar contra o fato de estar vivendo uma mentira. Na dobradinha com Patel, temos Lily James (de O Destino de Uma Nação, 2017), igualmente carismática, interpretando uma amiga de infância e principal incentivadora do cantor. Só a relação entre os personagens que não funciona: parece tudo muito forçado e afobado.

Outro problema de Yesterday é o humor – ou a falta dele. Em vários momentos, o roteiro faz alguma graça, e isso só funciona às vezes. Os dois alívios cômicos têm resultados bem diversos: enquanto o roadie Rocky (Joel Fry, de Game of Thrones) dá umas tiradas espirituosas, o pai de Jack (Sanjeev Bhaskar, de Belas Maldições) é sempre inconveniente e exagerado. Não raro, uma piada é jogada de qualquer jeito e nem se aproxima do efeito esperado. O cantor Ed Sheeran é colocado em algumas dessas armadilhas. Ele faz uma participação interessante e cabível e traz para o contexto a empresária vivida pela ótima Kate McKinnon (do reboot de Caça-Fantasmas), a provável melhor personagem dessa história.

Já está ficando frequente ver críticas duras ao diretor Danny Boyle (acima). Começando na tela grande com o surpreendentemente bom Cova Rasa (Shallow Grave, 1994) e seguindo com produções de muitas qualidades, como os dois Trainspotting (1996 e 2017), Boyle se alterna com outras não tão memoráveis, como A Praia (The Beach, 2000) e Em Transe (Trance, 2013). Parte do desagrado demonstrado pela crítica especializada se deve ao falatório em torno do premiado Quem Quer Ser um Milionário? (Slumdog Millionaire, 2008), filme que teria sido superestimado.

Por todos os envolvidos, Yesterday era para ter sido muito superior. O experiente Curtis, roteirista de sucessos como Quatro Casamentos e Um Funeral (Four Weddings and a Funeral, 1994) e Simplesmente Amor (Love Actually, 2003), parece ter ficado com preguiça de desenvolver sua premissa e tomou o caminho mais fácil. Desperdício da simpatia de Patel e James, que se divertem em cena. Ao menos, saímos cantarolando os sucessos dos Beatles que Malik “recria”. Mas o amor pela banda não se transfere ao filme.

O lançamento em Londres contou com os protagonistas e Sheeran

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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Uma resposta para Beatles são a atração de Yesterday

  1. Renato disse:

    Até concordo que poderia “render” mais, só que para me aprofundar eu teria que dar spoilers… em todo caso, teve uma coisa que me incomodou bastante: os sucessos dos “Bítous” não chegam nem perto do que foram sem o Ringo na bateria (ou pelo menos alguém que o imitasse). I Wanna Hold your Hand, In My Life, I Saw Her Standing There e She Loves You “desringadas” são quase uma heresia!!!
    Só discordo um pouco sobre o humor, as tiradas com trechos de músicas deles são hilárias (“Why 64?”), e os outros “apagões” além dos Beatles estão me fazendo rir até agora!

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