por Marcelo Seabra
Toda obra do diretor Quentin Tarantino pode ser descrita como uma homenagem a algo ou a alguém. E ao próprio Cinema. O longa mais recente deixa isso ainda mais claro: Era Uma Vez… em Hollywood (Once Upon a Time… in Hollywood, 2019) traz diversas referências a fatos, pessoas e outros filmes. Misturando realidade e ficção, o roteiro de Tarantino visita o fim da década de 60, esmiuçando os costumes da época enquanto acompanha um ator que luta contra o ocaso de sua carreira.
Lembrando Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009) em vários momentos, Era Uma Vez usa celebridades reais para construir o universo de seus personagens ficcionais. Dois atores habituados ao diretor trabalham juntos pela primeira vez: Leonardo DiCaprio (de Django Livre, 2012) e Brad Pitt (de Bastardos). Também com destaque, temos Margot Robbie (colega de DiCaprio em O Lobo de Wall Street, 2013), que vive a famosa Sharon Tate, estrela em ascensão nos idos de 1969.
De cara, conhecemos os inseparáveis Rick Dalton (DiCaprio), um ator de televisão que luta para conseguir os bons papéis de outrora, e seu dublê, Cliff Booth (Pitt), que, além de fazer as cenas mais perigosas, é motorista e faz-tudo. Os dois dividem praticamente a mesma rotina, com um deles indo e voltando de gravações de pilotos para a TV sempre com o outro ao volante. Na casa ao lado à de Dalton vive um casal quente: a linda Tate e seu marido, Roman Polanski (Rafal Zawierucha), que curtia o sucesso de seu O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968).
Vários são os filmes que usam a expressão Era Uma Vez em seus títulos, acompanhada de um lugar, sendo os mais marcantes os de Sergio Leone, Era Uma Vez no Oeste (1968) e Era Uma Vez na América (1984). Como Leone é sempre lembrado como uma grande influência por Tarantino, nada mais natural que o americano passasse a fazer parte dessa “família”. O italiano é inclusive citado nesse de Hollywood, reverenciado como o maior diretor de faroestes de seu país, informação que sai da boca de ninguém menos que Al Pacino (abaixo), numa pequena participação como um produtor veterano.
Mas não são só Tate, Polanski e Leone que aparecem de alguma forma. Bruce Lee, Steve McQueen, as cantoras do grupo Mamas & Papas, o empresário George Spahn e o maníaco Charles Manson, com seu grupo de desajustados, são outras das personalidades do nosso mundo que marcam presença na tela. E Tarantino deixa muito claro que aquela é a visão que ele tem, não precisando necessariamente espelhar a realidade. Muitos podem se perguntar se Tate realmente fez isso ou aquilo, se ela começava a dançar delirantemente sempre que ouvia uma música. O diretor/roteirista não tem nenhuma obrigação com a História: trata-se de uma história original, de ficção. “Era uma vez”…
A recriação do período e os cenários por onde a câmera nos leva são fantásticos. DiCaprio interage com filmes da época, o tempo de tela de cada um é bem equilibrado e tudo é muito fluido, resultado de uma montagem eficiente. São duas horas e quarenta minutos que passam sem cansar o espectador, que se envolve com o que vê e passa a torcer por eles. A cena entre DiCaprio e a garota Julia Butters é emocionante, um misto entre engraçada e tocante. E ajuda ter as músicas que Tarantino sempre escolhe a dedo, clássicos do rock não tão famosos, mas que se encaixam muito bem com as situações.
Como se ainda precisasse de uma cereja nesse bolo tão cuidadosamente realizado, ainda temos algumas participações muito especiais. Parece que quem trabalhou com o diretor quer voltar e quem não teve a oportunidade a abraça. Depois da estreia nos EUA, algumas polêmicas foram produzidas, como o fato de Robbie ter poucas falas – como se isso fosse exemplo de machismo – e a forma estereotipada como Bruce Lee é retratado. Exagero ou não, nada disso atrapalha a diversão. Tarantino marca outro gol em sua curta carreira.
Parabéns pela crítica. Acompanho de perto seu trabalho.
Valeu!
ALERTA DE SPOILER!
Gostei muito, uma obra de ficção sobre o fim da glamourização do cinema e a chegada da TV como instrumento de imbecilização (a cena dos ripongas em volta do aparelho é emblemática). A trilha é quase tão boa como a de Kill Bill, mas o fato é que tem a marca do bom gosto musical de Tarantino. Eu, que sou fã do Kato, me surpreendi com a cena, mas se vc levar em consideração que a única lei americana que impediu uma raça de se naturalizar (até pós II WW) foi com relação aos chineses, entendi perfeitamente o contexto da aparição do Kato e o seu enfrentamento com o dublê fodão tipicamente american way. Aliás, sempre fui fã do seriado do Besouro Verde e cheguei a ver no cinema um episódio dele com o Batman. Parece que o Tarantino tb, a música tema do Besouro está em Kill Bill e, em Era uma vez …, há várias referências ao Batman de Adam West, inclusive durante os créditos. DiCaprio está muito bem e ganhou de bandeja 5 minutos de roteiro que o habilitam para o Oscar. Qto à bela Sharon Tate, entendi que ela sim foi a grande homenageada do filme, daí porque o Tarantino nos poupou da morte dela, para sairmos da sala com aquela sensação de quão maravilhosa ela foi e mais poderia ter sido, vingando-a por nós com a morte violenta da “família”. Na minha opinião, ao lado de “Bastardos Inglórios”, o melhor de Tarantino.
Ótimos comentários, Roberto – como sempre! Também achei muito bonita a homenagem à Sharon Tate. No fim, o objetivo era esse.
O Filme é lindo, em todos os quesitos! O filme mais “nerd”, por assim dizer, que o Tarantino já fez. As referências que ele faz e o contexto que ele as coloca é sublime demais!
A crítica, aliás, é bem pertinente! Parabéns!
Valeu, Kael!