Reality show mostra a sua morte ao vivo

por Marcelo Seabra

Quando ouvimos alguém ameaçando se matar ao vivo na TV pela primeira vez, foi algo chocante. Mesmo que fosse apenas um filme. Rede de Intrigas (Network, 1976) levantou algumas discussões, mostrou o absurdo em que a televisão estava chegando – já naquela época – e indicou o buraco em que o jornalismo entrava anos antes da situação ficar tão crítica. Em pleno 2017, Esta É a Sua Morte – O Show (This Is Your Death – The Show) busca um efeito parecido, e o alvo da vez são os reality shows. Mas, assim como com a referência acima, tudo aqui lembra outras obras, formando uma colcha de retalhos que desanda desde o início.

O longa, segundo dirigido por Giancarlo Esposito (o Gus Fring de Breaking Bad), começa bem promissor, com um apresentador de TV (Josh Duhamel, dos Transformers) presenciando uma cena de horror que ele ajudou a criar. Isso dá a entender que ele se levantará contra esse mar de lama que vem tomando conta da emissora, mas é aí mesmo que ele decide pular de cabeça e se sujar todo. Esse núcleo fica em suspenso para podermos conhecer o trabalhador Mason (Esposito), que se mata entre empregos para prover para a família e tem uma esposa (Lucia Walters) que sempre o olha com reprovação e o culpa pela crise mundial.

A ideia nada original do roteiro é mostrar que não é possível entrar na água sem se molhar, ou algo assim, além das críticas que se propõe a fazer. Não deixa de lembrar Breaking Bad, série na qual o protagonista achava que podia vender drogas sem ter que entrar no mundo de violência que vem junto. Adam Rogers (Duhamel saiu da mesma forma que Ryan Seacrest) aceita ser usado pela presidente do canal (Famke Janssen, da franquia Busca Implacável), ao usar sua recém adquirida fama para apresentar algo extremamente apelativo. Mas admite a estar usando também para cumprir um propósito nobre: valorizar a vida das pessoas comuns. Como? Matando-as no palco e tentando se convencer de que é por uma boa causa. E ele logo acredita na própria mentira.

O comportamento da sra. Mason é o indicador claro dos maiores erros do roteiro de Noah Pink (de Genius) e Kenny Yakkel (de Reality da Morte, 2011). Eles parecem correr contra o relógio para explicar tudo que o julgam necessário, e acabam acelerando as coisas. Ao invés de levarem tempo desenvolvendo determinada situação, resumem tudo numa fala medíocre e sem noção, como quando o chefe de Mason exige que ele faça um deslocamento de 75 minutos em 30. O que, de qualquer forma, o deixaria sem dormir. As mudanças pelas quais Rogers passa não são nada críveis, ele perde seus valores sem pensar duas vezes.

Por mais que as duas executivas (Janssen e Caitlin FitzGerald, de Masters of Sex – acima) sejam coerentes, o entorno não funciona. O drama da irmã (vivida por Sarah Wayne Callies, de Prison Break), por exemplo, é bem superficial e exagerado. Os roteiristas querem fazer críticas ao público do programa, mas acabam igualando-os aos próprios espectadores do filme, mostrando mortes cada vez mais elaboradas e causando o cansaço que Rogers e equipe tentam evitar. É como se eles não acreditassem na mensagem que querem passar. Enquanto isso, vão lançando mão de artifícios altamente discutíveis, como colocar decepção, depressão e suicídio como causa direta um do outro. Mesmo que partamos do pressuposto de que esse programa seria possível, tudo é muito simplista e afobado.

À medida em que as peças são jogadas, sabemos como será dado o xeque-mate. Uma ou outra ideia interessante que surge acaba se perdendo no universo de situações irreais que parecem apenas servirem para dar andamento ao roteiro, além de previsíveis. O reality do início é claramente inspirado em The Bachelor, e a nova atração lembra até O Sobrevivente (The Running Man, 1987). O título vem do clássico da TV Esta É a Sua Vida, além de várias outras obras que podem vir à mente durante a sessão.

Algo que nos deprime, mas que está bem próximo da realidade, é o retrato da plateia presente no estúdio: um bando de psicopatas que se divertem com o sangue que jorra. O pessoal torce, com plaquinhas e tudo, e não tem nada de catártico no processo. Só sadismo. Dá para perceber a intenção dos realizadores, de apontar o dedo para certos problemas que envolvem a TV e a sociedade em geral, que alimenta esse tipo de coisa. Mas a falta de sutileza é fatal e Esta É a Sua Morte não entrega o que parecia prometer.

Esposito atua em frente e atrás das câmeras

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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