O sucesso Corra chega ao Brasil

por Marcelo Seabra

Depois de receber críticas extremamente favoráveis nos Estados Unidos, Corra (Get Out, 2017) finalmente chega ao Brasil. É a primeira incursão do comediante Jordan Peele na direção de um longa, e ele atacou logo no terror, com um roteiro dele próprio. Os quase 200 milhões de dólares de arrecadação até o momento dizem que a empreitada deu certo. Só não revelam que se trata de uma bobagem sem pé nem cabeça que bebe descaradamente em várias fontes.

Em diversas entrevistas que vem dando, devido ao sucesso da obra, Peele revela alguns livros e filmes que serviram de inspiração. Mas, mesmo que ele omitisse essas homenagens, seria claro percebê-las. Muito inspirado pelo escritor Ira Levin, de O Bebê de Rosemary e principalmente As Esposas de Stepford, ele ainda traz ecos de Halloween (1978), com aquelas casas e ruas de subúrbio escondendo algo terrível. Tudo isso com uma pitada de Adivinhe Quem Vem Para Jantar (Guess Who’s Coming to Dinner, 1967), no qual o sujeito vai conhecer a família da namorada e eles, brancos, não sabem que ele é negro.

Na trama, Chris (Daniel Kaluuya, de Black Mirror) atingiu a marca dos quatro meses de namoro com Rose (Allison Williams, de Girls) e concorda em passar o fim de semana na casa dos pais dela, numa cidadezinha tranquila próxima. O fato de ser negro o deixa apreensivo, já que os tradicionais Armitage não foram informados desse detalhe, mas a moça tem certeza de que isso não será problema. Ele sabe que alguma piadinha pode surgir, e está bem com isso. Chegando lá, eles ainda descobrem que é a data da festa que reúne toda a família.

O clima de desconfiança e temor é bem construído por Peele. Mas a reações e as atitudes de certos personagens são exageradas e beiram o ridículo. E não falta aquela gafe de determinado objeto ser descuidadamente deixado à vista, para que o protagonista veja e fique ainda mais com a pulga atrás da orelha. O grande mistério é revelado de maneira bem didática, passando longe de qualquer suspense, e muito fica não dito. O roteiro parece jogar a responsabilidade da compreensão para o espectador, que tira a conclusão que quiser e, aí sim, poderá comprar a ideia.

Discussões relacionadas a racismo – e a outros tipos de preconceito – são sempre importantes, e é nisso que Peele parece focado. Mas usar um assunto sério como pano de fundo não fará automaticamente com que as pessoas se interessem pelo filme. Ou fará, visto o enorme valor arrecadado e as críticas positivas que Corra vem recebendo. O bom elenco, ainda reforçado por Catherine Keener (de À Procura do Amor, 2013), Bradley Whitford (de CBGB, 2013), Caleb Landry Jones (de Rainha & País, 2014) e Stephen Root (de Selma, 2014), não segura o absurdo do todo, e não contorna seus buracos. E é impressionante que Peele não tenha sido acusado de plágio.

Whitford e Keener são os Armitage

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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2 respostas para O sucesso Corra chega ao Brasil

  1. Castelar Santana disse:

    Ah, Marcelo… Apesar de todos esses defeitos, para lá de óbvios, o filme funciona como catarse e redenção… A cena final, com a chegada do “carro da polícia”, e o que isso tem de ameaçador para um negro naquela situação, faz a gente fechar os olhos para a primariedade de muitas escolhas de roteiro e direção, como a cena em que o protagonista (que ator! grande trunfo do filme) descobre que algo não vai muito bem por ali, acordes da trilha sonora gritando o que vai acontecer, dentre outras que você aponta… A vilania, bem crível; e os vilões, aterrorizantes, também são outros bons trunfos. É quase impossível hoje em dia, depois de mais de cem anos de filmes – sobretudo se pensarmos no esgarçamento do gênero terror, que já explorou de tudo o que se possa imaginar para provocar medo e sustos -, um filme não beber de toda a história do cinema. O que intriga nesse filme é o fato de tantas coisas não se sustentarem de forma pontual, e mesmo assim ele ter o alcance que tem tido, e funcionar no seu todo. Se um jantar com um negro numa casa de branco nos anos sessenta dava vazão para um drama, nos dias de hoje instaura o terror aberto… E isso é original. Você, que costuma errar muito pouco quando fala de cinema, foi duro em demasia com o filme, e de forma desnecessária. Abraço, Castelar.

    • opipoqueiro disse:

      Fico feliz que ele tenha funcionado melhor para você, Castelar. Como o tem fora do país, também. Devo estar ficando velho e rabugento. Mas realmente não consegui engolir. Vi muita gente afirmando a importância do tema, e concordo. Mas isso apenas não faz de um filme bom. Uma coisa é beber na fonte, outra é copiá-la. Abraço!

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