por Marcelo Seabra
Ele é um playboy bem sucedido, com um carro possante, uma vida confortável e faz questão que todos o achem um babaca pretensioso e convencido, apesar de no fundo ter um grande coração. Ah, e é vivido por Robert Downey Jr. Não estou falando de Tony Stark, mas de Hank Palmer, protagonista de O Juiz (The Judge, 2014). Com aquela velha história do figurão da capital que é obrigado a voltar à sua cidadezinha natal e repensa sua vida, o filme se dá bem ao contar com bons atores e a criar momentos que funcionam maravilhosamente bem isolados, mesmo que com derrapadas aqui e ali. E, por incrível que pareça, não tem nem sinal de John Grisham, mesmo com esse título.
Para a figura de patriarca da família, poucos fariam tão bem quanto Robert Duvall, que traz na bagagem clássicos como O Poderoso Chefão, Apocalypse Now e O Sol É para Todos em mais de 50 anos de carreira. A interação entre os Roberts é fantástica, e eles quase saem ilesos dos clichês dramáticos em que a produção cai. Outros nomes do elenco mantêm o nível de competência, principalmente o ótimo Billy Bob Thornton (visto há pouco na série Fargo), que tem algumas das cenas mais interessantes. Vera Farmiga, a Norma de Bates Motel, traz inocência e força à sua garota do interior, completando um time que ainda conta com Vincent D’Onofrio (de Rota de Fuga, 2013) e Jeremy Strong (de The Good Wife) como os outros irmãos Palmer.
Hank fica sabendo, durante uma audiência, que sua mãe faleceu e volta à pequena cidade onde nasceu. Rever o pai não será fácil, e as coisas ficam piores quando o Juiz Palmer é suspeito de um homicídio. Devido a este caso policial, o roteiro de Nick Schenk (Gran Torino, 2008) e Bill Dubuque consegue fugir do melodrama habitual, caso do sofrível Álbum de Família (August: Osage County, 2013), e proporciona ao público uma boa diversão, com personagens mais profundos que o usual. Algumas relações são pré-formatadas por motivos que ficam muito claros. O fato do irmão mais novo ser deficiente, por exemplo, serve para que eles tenham uma desculpa para explicar tudo o que o espectador precisa saber, o que leva a diálogos pavorosamente expositivos. Muita coisa que já estava clara acaba ganhando uma explicação mais detalhada, para não ficar dúvida na cabeça de ninguém. E a trama se estende bem mais do que deveria, com pelo menos 15 minutos de gordura no final. Mais curto, o filme teria se beneficiado muito, nos poupando inclusive de ver a bandeira norte-americana balançando e cortando informações que poderíamos facilmente deduzir.
A fotografia, assinada pelo favorito de Spielberg, Janusz Kaminski, mostra belas paisagens do campo, ajudando a construir aquela sensação de “vamos voltar para o interior, que é bem melhor”. Só estraga o mau uso do fundo verde, quando vemos Downey Jr. claramente recortado e inserido num fundo artificial. A trilha de Thomas Newman só evidencia o óbvio. A impressão de uma tentativa de fazer um novo clássico, à imagem de O Sol É para Todos (que é citado), é clara e prejudica o resultado. Afinal, David Dobkin (de Eu Queria Ter a Sua Vida, 2011) não é bem um diretor que entrará para a história. Ao menos, não de forma positiva. Sorte dele contar com atores capazes de segurarem até falas mais bestas e de transitarem entre gêneros, indo da comédia ao drama e passando pelo suspense.