por Marcelo Seabra
Um é o pacato professor universitário que leva uma vida simples com a namorada. O outro é o ator de terceira que vive com a esposa uma vida um pouco luxuosa demais, que parece estar fora de suas possibilidades. Em uma coincidência, um toma conhecimento do outro e bate um choque: os dois são idênticos. Este é o ponto de partida para O Homem Duplicado (Enemy, 2014), novo trabalho do elogiado diretor Denis Villeneuve, responsável pelo recente Os Suspeitos (Prisoners, 2013). Novamente, ele conta com Jake Gyllenhaal no papel principal.
Inspirado por um conto de José Saramago, o roteiro de Javier Gullón é bem amarrado e instigante. Contar mais do que as linhas acima seria entregar mais do que o recomendado. Não estranhe se, em determinado momento, você estiver bem perdido quanto ao que está acontecendo. As peças devem acabar se encaixando, e isso não deve necessariamente acontecer da mesma forma para todos. E, como deve acontecer com os bons filmes, ele sobrevive a uma nova sessão, sem em momento algum escorregar para dar pista falsas ao espectador, coisa que os piores fazem.
Em papel duplo, Gyllenhaal demonstra muita segurança. Principalmente por viver dois sujeitos bem diferentes, o que deixa mais claro o talento do ator. As duas colegas de elenco também não ficam atrás. Como a esposa do pretenso artista, Sarah Gadon (de Cosmópolis, 2012 – ao lado) consegue demonstrar, em pouco tempo, vários sentimentos, enquanto Mélanie Laurent (de Truque de Mestre, 2013) parece tão perdida quanto o mais desavisado membro da plateia, por não entender as ações do namorado professor. Há ainda uma curta participação de Isabella Rossellini (vista recentemente na série The Black List), que no entanto é bem esclarecedora.
Mais uma vez, como em Os Suspeitos, Villeneuve consegue criar uma atmosfera de suspense, de tensão crescente, com uma trama aparentemente simples. Mas esta simplicidade está apenas na aparência, já que é tudo muito bem engendrado. E o bom uso dos ambientes ajuda muito, com luzes, sombras e uma sensação de confinamento proporcionada pelos espaços apertados. Até quando há mais espaço, o personagem se restringe a uma área menor, representando o que passa dentro dele. E, ao contrário do trabalho anterior do diretor, trata-se de uma obra curta. Sem gorduras, vai direto ao assunto. E não se preocupa em mastigar tudo, deixando o público pensar a respeito.