Johnny Depp transcende a paciência do espectador

por Marcelo Seabra

Transcendence

Aparentemente incapaz de viver um sujeito normal, Johnny Depp segue escolhendo papéis estranhos em projetos duvidosos. Os últimos bons trabalhos do ator datam de 2011, como dublador (em Rango), e 2009, em carne e osso (Inimigos Públicos). Agora, ele protagoniza uma ficção-científica que traz várias ideias interessantes, sem no entanto conseguir focar em qualquer uma delas. Transcendence – A Revolução (2014) já chegou ao Brasil com má fama, depois de atrasos na estreia e críticas negativas lá fora.

Com uma longa carreira como diretor de fotografia, tendo inclusive um Oscar (por A Origem, 2010), Wally Pfister decidiu estrear como cineasta e o roteiro escolhido é do também estreante Jack Paglen. Questões como a importância da tecnologia, o avanço da inteligência artificial, o cuidado com o meio ambiente e até a natureza do amor são tratadas no longa. Pode parecer megalomania, e é. Tentando abraçar o mundo, Paglen não desenvolve nenhuma das questões e fica até difícil saber qual é a postura dele frente a estes tópicos. Não se trata de uma obra aberta, ou instigante, mas de uma confusão enorme que deixa pontas soltas não para fazer o público pensar, mas por incompetência pura.

Transcendence couple

Depp vive um cientista do tipo bobão genial que trabalha com inteligência artificial. Ele sofre um atentado de um grupo terrorista anti-tecnologia e é contaminado, contando os dias para sua morte. A igualmente brilhante esposa (Rebecca Hall, de Homem de Ferro 3, 2013) resolve testar nele um projeto que estava em fase de acabamento que permitiria fazer um upload da mente do marido para um computador. Seria uma forma de tentar mantê-lo vivo. Mas, se desse certo, a manobra realmente manteria o Dr. Caster vivo? Ou seria apenas uma máquina parecida com ele? E, uma vez no computador e conectado à Internet, quais seriam as possibilidades de expansão e alcance para Caster? A premissa é muito promissora, mas a execução não está à altura. Vários pontos são levantados, e pula-se de um para o outro muito rapidamente. Acaba ganhando destaque a trama dos curados por Caster, já que ela traz mais ação. E mesmo ela fica sem um desenvolvimento apropriado.

O elenco todo parece estar dopado, começando por Depp. Ele já viveu sujeitos frios ou emocionalmente distantes antes. Dessa vez, é apenas insosso, mais como um espectador. Nem parece que é dele o papel principal. Rebecca Hall é a mais disposta, a única que parece estar se importando. Morgan Freeman (de Última Viagem a Vegas, 2013) e Paul Bettany (de Margin Call, 2011) mostram as caras sem fazerem muito esforço. Menos ainda fazem Cillian Murphy, que quase repete seu papel de O Preço do Amanhã (In Time, 2011), e Kate Mara (de A Fuga, 2012), com a tarefa mais ingrata de todas: a de servir ao roteiro da forma que for necessário. Seu papel é, de longe, o mais estapafúrdio.

Parceiro habitual do diretor Christopher Nolan, Pfister deveria se ater ao ofício da fotografia, que domina bem, e deixar o amigo comandar. Inclusive, a fotografia é um mérito de Transcendence, que oferece ao público belas imagens, assinadas por Jess Hall (de 30 Minutos ou Menos, 2011). Com tanta gente boa envolvida, era de esperar muito mais que apenas pores do sol e campos bonitos. Não dar sono seria um bom começo.

Coube a Kate Mara o pior papel do filme (acima, com Paul Bettany)

Coube a Kate Mara o pior papel do filme (acima, com Paul Bettany)

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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