por Rodrigo Seabra
Um dos maiores sucessos na TV norte-americana neste começo de 2014 vem de uma fonte improvável: o canal de animações adultas Adult Swim. A série em questão é a estreante Rick and Morty, comédia tresloucada com 11 episódios produzidos para a primeira temporada, exibida desde dezembro de 2013 e atualmente em um breve hiato, mas prestes a retomar atividades com um novo episódio no dia 10 de março. A audiência é tão boa que, em termos de grupos demográficos (especialmente de homens abaixo dos 35), o programa já superou concorrentes de peso, e com isso ganhou do canal a renovação para uma segunda temporada com mais 10 episódios.
Rick Sanchez (dublado pelo criador da série, Justin Roiland), mentalmente perturbado, constantemente bêbado, babando e arrotando entre as palavras, é um velho cientista que foi morar na casa de sua filha Beth Smith (voz de Sarah Chalke, a Dra. Elliot Reid de Scrubs) e fez da garagem seu laboratório e depósito de todo tipo de experiências escusas. O que ninguém parece perceber é que as capacidades científicas daquele senhor esquisito são ilimitadas em praticamente qualquer área. E o pior é que Rick considera o pobre do neto Morty Smith (cuja voz também é feita por Roiland) como o companheiro ideal para as missões absurdas a que se propõe. Completando o quadro estão a adolescente Summer (voz de Spencer Grammer, da série Greek), com a cara o tempo inteiro colada no telefone, e o marido de Beth e pai dos dois, Jerry Smith (voz de Chris Parnell, de Saturday Night Live, 30 Rock e Suburgatory), um derrotado executivo de propaganda que não vê com bons olhos o sogro maluco.
A história de Rick and Morty começa alguns anos antes, ou talvez em 1985, dependendo do que considerarmos como a primeira inspiração do animador, dublador e produtor de TV Justin Roiland. O caso é que, em 2006, Roiland resolveu apresentar só de farra um curta animado no pequeno festival Channel 101, conduzido mensalmente por Dan Harmon (criador e escritor da já clássica comédia Community, atualmente no ar pela NBC – abaixo, à direita). O desenho se chamava The Real Adventures of Doc and Mharti e baseava seus personagens principais nos célebres protagonistas da trilogia De Volta Para o Futuro, Doc Brown e Marty McFly. Mas com uma pegadinha: Roiland (abaixo, à esquerda) só queria mesmo chocar o diminuto público do festival. Para tanto, deu ao mais velho tendências sociopáticas e uma estranha tara sexual e fez do mais novo um garoto medroso e submisso. O dublador confessa que se divertiu mais do que o normal fazendo as vozes de ambos e apelando para um humor grosseiro e juvenil, mas logo enxergou também um potencial extra nas paródias que criara sem pretensão. O curta, entretanto, ficaria só nisso mesmo durante um bom tempo.
Eis que, em 2012, o curador Harmon se viu demitido do comando de Community (voltaria no ano seguinte) e teve de procurar outros caminhos para retomar a carreira. Encontrou Roiland ainda sonhando com as possibilidades abertas por seu velho curta animado, mas agora buscando um contexto mais profissional. Considerando que o Adult Swim já o tinha sondado a respeito de uma parceria, Harmon então decidiu que ali estava seu próximo passo.
A dupla trabalhou rapidamente em cima das ideias de Roiland a fim de estabelecer um produto novo e livre de comparações. Conferiram um design mais refinado aos traços toscos do original, renomearam os personagens e deram a eles uma nova relação de avô e neto. O conceito das viagens que vinha do filme oitentista não apenas permaneceu como se tornou o ponto central do desenho – claro que sem menção a DeLoreans. E ainda, para escrever as aventuras da nova animação, os co-criadores foram se inspirar nos saltos espaço-temporais da cultuada série inglesa Doctor Who e no surrealismo interplanetário de O Guia do Mochileiro das Galáxias.
Os seis episódios já exibidos de Rick and Morty comprovam que essas fontes comparecem em peso sem dedicar muito tempo para explicações. Por exemplo, para justificar as ausências de Morty na escola ou na hora do jantar enquanto ele está participando a contragosto de alguma viagem, Rick sempre providencia um “remendo” qualquer, tão esquisito quanto suas missões, e acaba envolvendo a família inteira em catástrofes de escala mundial. Para desespero do garoto, nada fica de fora do desenho: dimensões paralelas perfeitinhas ou completamente distorcidas, planetas com fauna e flora estranhíssimas, sonhos delirantes, muita gosma e nojeira, alienígenas lascivos, transmorfos, robôs, cachorros falantes, monstros escatológicos, microorganismos ameaçadores, versões desfiguradas dos próprios personagens e qualquer coisa que Harmon, Roiland e seu time de escritores conseguirem imaginar.
A linguagem não é necessariamente apelativa, mas os diálogos e situações são decididamente adultos, às vezes até um pouco fortes e frequentemente hilários. A liberdade criativa é tanta que é melhor nem esperar que Rick and Morty crie uma mitologia tão séria e tão rica quanto, por exemplo, a de South Park ou Os Simpsons. Afinal, cada aventura de meia-hora é deliberadamente esquizofrênica e se resolve com algum atropelo impensável dali a pouco mesmo, de modo que tudo volte a algum tipo de normalidade. Nesse meio-tempo em que nada parece fazer sentido, os apuros da dupla divertem horrores e valem o ingresso.