por Marcelo Seabra
Depois de vários anos dirigindo filmes de suspense, policial, drama e até documentários, Martin Scorsese voltou ao que faz melhor – e o que mais agrada ao público: misturar tudo na ascensão e queda de um carismático pilantra, tal qual fez em seu jovem clássico Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1990). Não que não tenha criado boas obras nesse intervalo, porque é uma melhor que a outra. Mas O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013) consegue passear entre gêneros e ir da tensão ao nonsense total, passando rapidamente até pela comédia. Tudo isso com a ajuda de seu novo protagonista favorito, Leonardo DiCaprio, já na quinta colaboração.
Baseando-se na autobiografia do corretor Jordan Belfort, o roteirista Terence Winter escreveu a adaptação para Scorsese, reeditando a parceria da série Boardwalk Empire, da qual ambos são produtores. Belfort teve uma vida de excessos que estaria mais condizente com um astro do rock e pegou cadeia por fraudes relacionadas à comercialização de ações. Em quase três horas muito bem montadas, sua vida é contada de forma criativa para um público incrédulo, tamanho era o exagero de seu estilo de vida e de suas ações. No início um sujeito humilde e batalhador, ele logo descobre que o poder e o dinheiro corrompem e, muito além de prostitutas e drogas, seu maior vício é o dólar.
Em momento algum da projeção, Belfort chega perto de se arrepender de ter enganado tanta gente e ter feito tantos estragos financeiros nas vidas de pobres coitados ambiciosos que acharam que iam ficar ricos com a ajuda daquele corretor bem articulado e persuasivo. DiCaprio teve bastante contato com o verdadeiro Belfort, que faz até uma ponta no filme: ele apresenta o personagem nos minutos finais. Se em Django Livre (Django Unchained, 2012) ele já compôs um vilão tresloucado sem nenhuma noção moral, aqui DiCaprio perde qualquer freio e eleva à enésima potência da loucura o universo yuppie da Nova York dos anos 80, quase um Psicopata Americano (American Psycho, 2000).
Além do ótimo DiCaprio à frente, o elenco ainda conta com outros nomes em momentos muito inspirados. Matthew McConaughey, ainda muito magro pelo esforço para Dallas Buyers Club (2013), rouba as poucas cenas em que aparece como o inspirador de Belfort, seu mentor no mundo financeiro. Jonah Hill (de Moneyball, 2011) finalmente consegue utilizar os trejeitos usuais em um personagem tridimensional e brilha como o amigo e capacho de Belfort, merecendo todos os elogios que vem recebendo. O olhar vidrado e os dentes que brilham no escuro são ótimos suportes à composição. Margot Robbie (vista recentemente em Questão de Tempo, 2013 – acima) mostra que, além de fisicamente irrepreensível, é uma boa atriz, convencendo como a fútil segunda esposa do milionário. O cineasta Rob Reiner, como o pai de Belfort, funciona muito bem como ator tanto no modo estourado quanto no polido. Entre as participações menores, temos ainda Kyle Chandler, Jon Bernthal, Jon Favreau, Jean Dujardin, Shea Whigham e a veterana Joanna Lumley.
Assim como em Os Bons Companheiros, Scorsese acompanha um grupo de amigos que cedo ou tarde terá essa tal amizade colocada à prova pelas autoridades. E as músicas também são escolhidas a dedo, marcando bem cada momento. As similaridades são várias, e o resultado é tão fantástico quanto. No entanto, há algumas diferenças importantes: os mafiosos encaram o “trabalho” com mais seriedade e até uma certa ética; são psicopatas sim, mas adultos. Belfort e seus colegas são crianças grandes com muito dinheiro e nenhum respeito por pessoas, instituições ou regras de convívio social. E Scorsese mostra bem os absurdos, em momento algum ficando do lado deles. Fica muito clara a opinião do diretor sobre seu protagonista, evitando duas possíveis armadilhas: mostrá-lo como um escroque vilanesco ou como um simpático galanteador que por acidente tem um desvio de caráter. Ele é tudo isso e um tanto mais, e cabe a cada um tirar suas próprias conclusões.