por Marcelo Seabra
Logo no letreiro do início, Hitchcock (2012) já começa a estabelecer ligações com o clássico Psicose (Psycho, 1960), padrão que se observa até nos créditos finais, com uma trilha típica de suspense. O filme, que chega aos cinemas esta semana, traz ao público os bastidores das filmagens da icônica obra do diretor Alfred Hitchcock. O nível das fofocas apresentadas é bem raso, não é para esperar nada bombástico, mas as interpretações são bem interessantes e valem o ingresso.
O roteiro, de John J. McLaughlin (coautor de Cisne Negro, 2010), é baseado em Alfred Hitchcock and the Making of Psycho, de Stephen Rebello. O livro, publicado em 1990, ainda é tido como referência quando se fala de bastidores de filmes, descrevendo em detalhes o processo de produção e a forma como o cineasta lidava com a equipe técnica e com os atores. Este é um caso à parte, já que Hitch nunca escondeu o desprezo que reservava a esta classe artística. O telefilme A Garota (The Girl, 2012), exibido constantemente pela HBO, mostra essa faceta do diretor bem mais acentuada, ele é retratado como um maníaco sexual que aterrorizava suas loiras (ou, ao menos, Tippi Hedren, de Os Pássaros, 1963).
Mas estas partes mais picantes não entraram em Hitchcock. O filme parece se contentar com segredos menos secretos, digamos assim, como dar algumas indiretas sobre a sexualidade de Anthony Perkins, o protagonista de Psicose – que é muito bem interpretado por James D’Arcy (de A Viagem, de 2012 – acima), pena que em uma participação pequena. O aparente desentendimento entre Hitch e Vera Miles (Jessica Biel, de O Vingador do Futuro, versão de 2012 – acima, à esq.) também gera uma curiosidade, que acaba não dando em nada. Janet Leigh (Scarlett Johansson, de Os Vingadores, 2012 – acima, no meio) sofre uma pequena pressão psicológica, nada de mais. Fugindo um pouco do estúdio, é explorada também a relação entre Alma Reville e um amigo, o roteirista Whitfield Cook (Danny Huston, de O Resgate, 2012). Uma liberdade tomada é a inclusão de aparições de Ed Gein (Michael Wincott, o vilão de Na Teia da Aranha, 2001), o psicopata real que inspirou Norman Bates, o que não chega a ser ruim.
Um grande atrativo do longa de Sacha Gervasi (de Anvil: A História do Anvil, de 2012) é a interpretação do casal principal: Sir Anthony Hopkins (de 360, 2011) e Helen Mirren (de Pior dos Pecados, 2010). Apesar da maquiagem pesada restringir um pouco os movimentos e expressões, Hopkins faz um ótimo Hitch, mesmo que mostrando apenas de relance a famosa personalidade difícil dele (que seria muito mais fácil de lidar que Orson Welles, diria Janet Leigh). Ele tinha um humor inadequado e agressivo e gostava de chocar gratuitamente. Sua obsessão por loiras aparece de relance, deixando a esposa constrangida. Ciúme é um aspecto da relação deles que não havia sido abordado: em A Garota, por exemplo, eles estão mais para irmãos que para um casal. E Alma era uma grande força ao lado dele, tida por muitos como indispensável para a realização de suas obras, reescrevendo o roteiro, dando ideias para a fotografia, formas de cortar custos etc. Mirren tem ótimos duelos com Hopkins, e ainda teremos a oportunidade de vê-los juntos em RED 2 (2013).
Com os aspectos sórdidos deixados de lado, podemos acompanhar alguns dramas de uma produção cinematográfica. Ninguém pensa que um diretor da grandeza de Hitchcock teria dificuldades para levantar um financiamento. Ninguém acreditava no sucesso de Psicose, julgando que seguiria o mesmo caminho malfadado de Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958), fracasso de bilheteria que hoje é considerado um dos melhores filmes da história. Para este gênero, outro problema era a censura, que barrava qualquer vestígio de nudez e exigia menos violência. Como Psicose tem a famosa cena do chuveiro, dá para imaginar a dificuldade de conseguir a aprovação. De forma leve e despretensiosa, o filme diverte, desperdiçando um grande potencial para fazer história entre cinéfilos.