por Marcelo Seabra
“Eu roubo de todos os filmes já feitos” e “Violência é umas das coisas mais divertidas de se assistir” são duas citações atribuídas a Quentin Tarantino que podem servir para descrever Django Livre (Django Unchained, 2012), novo trabalho de um diretor e roteirista que sempre cria grandes expectativas em torno de seus projetos. Dessa vez, não é diferente e todos aguardavam ansiosamente pela homenagem de Tarantino a um gênero que ele sempre amou: o faroeste italiano. O longa emplacou cinco indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, e também cinco ao BAFTA, com Melhor Diretor no meio, entre outros.
Em 1966, foi lançado um western spaghetti que faria história, mesmo sem um roteiro finalizado ou um orçamento que atenderia os custos. Django, de Sergio Corbucci, definiu muitos clichês do gênero, deu origem a várias seqüências genéricas e, em 1987, teve o italiano Franco Nero de volta ao papel em Django – A Volta do Vingador (Django 2 – Il Grande Ritorno). Muitos espectadores ficariam marcados por produções como estas, e Tarantino se inclui nesta lista. Assim como fez em Kill Bill (2003 e 2004), ele fez uma colcha de retalhos com elementos de diversos longas para montar um original, e não poderia deixar de convidar Nero para uma ponta sentimental (abaixo, com Foxx). Russ Tamblyn é outro convidado. O Filho do Pistoleiro repete seu papel de 1966 em uma ponta e ainda traz a filha, Amber Tamblyn.
Em Django Livre, Jamie Foxx volta a protagonizar um longa de relevância, o que não fazia desde o Oscar ganho por Ray (2004). Com muito carisma e a disposição adequada, ele vive o personagem título, um escravo libertado pelo caçador de recompensas Dr. King Schultz (Christoph Waltz) para ajudar a identificar irmãos procurados pela lei. Quando finalizam a missão e corre tudo bem, Schultz propõe uma sociedade a Django: ele ajudaria o alemão a cumprir os mandados e, em troca, teria uma mão para resgatar a esposa, Broomhilda (Kerry Washington, também de Ray). Schultz descobre que a garota foi comprada pelo rico escravocata Calvin Candie (Leonardo DiCaprio) e eles devem bolar um plano para conseguir tirá-la da fazenda Candie Land pelas vias corretas, com um recibo de compra que lhe garanta a liberdade.
Os atores dão um show e o destaque é, sem dúvida, Waltz. O ator ganhou o Oscar de melhor coadjuvante por Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009) e já estava na mente de Tarantino escrever outro papel para ele. A oferta para viver Schultz chegou em boa hora, o austríaco vinha aceitando uns papéis muito aquém de seu talento, como em O Besouro Verde, Água para Elefantes e Os Três Mosqueteiros, todos de 2011 (a exceção é Deus da Carnificina, do mesmo ano, também digno de nota). O Dr. Schultz tem um jeito muito interessante de lidar com as palavras e seus diálogos são sempre prazerosos de se acompanhar, e ele tem uma inteligência ímpar e parece se divertir com isso. Apesar de seu papel ter mais importância que qualquer outro na trama, Waltz novamente emplacou uma indicação ao Oscar como coadjuvante e já levou o Globo de Ouro na categoria (e o filme também ficou com Melhor Roteiro Original).
DiCaprio é outro que merece uma menção especial. Seus trejeitos ligeiramente afeminados e a forma como ele contorna situações de tensão quando é conveniente e como muda de humor são muito interessantes, mostrando um ator que claramente amadurece a cada novo trabalho. Ele demonstra, inclusive, certo tino para comédia, já que o longa é marcado por momentos de humor, talvez o que mais tenha essa característica na carreira do diretor. Em breve, veremos o ator como O Grande Gatsby e em outra parceria com Martin Scorsese, em The Wolf of Wall Street, que devem garantir algum prestígio em premiações. Samuel L. Jackson (de Os Vingadores, 2012), bem envelhecido pela maquiagem, está ótimo como o empregado racista e falastrão de Candie, e seus diálogos retratam bem a forma de falar de sua classe e época. E, como acontece sempre nas produções de Tarantino, um ator sumido tem uma grande chance de retorno: dessa vez, é Don Johnson, ídolo nos anos 80 por conta da série Miami Vice. Em participações menores, temos Jonah Hill (de Anjos da Lei, 2012), Robert Carradine (de Fantasmas de Marte, 2001), Tom Savini (de As Vantagens de Ser Invisível, 2011), Walton Goggins (da série Justified), James Remar (o pai do psicopata Dexter) e o próprio Tarantino.
Descontando-se os lugares-comuns relacionados ao bem estabelecido diretor e roteirista (como “ele nunca decepciona”) e as alegações ridículas de estímulo ao racismo, Tarantino de fato entrega um filme bem acima da média, que diverte como poucos. Como sempre, ele privilegia o estilo, e acaba até desrespeitando leis da física pelo simples efeito que a cena causa, mas nada disso é problema. A violência exagerada causa mais risos que asco ou repulsa e a trilha sonora permanece sendo um dos pontos altos, tanto a instrumental (com bastante Morricone, o original e como inspiração) quanto a pop e contemporânea, que inclui Jim Croce (I Got a Name) e Johnny Cash (Ain’t No Grave). A reconstituição da época, com objetos e figurinos muito bem cuidados, são outro diferencial, junto com a bela fotografia. Acabamos dando um desconto para a longuíssima duração (165 minutos) e aproveitando a viagem.
Quentin Tarantino é mesmo um mestre em construir histórias sobre vingança. Para os personagens de Tarantino, vingança não é um prato que se come cru. É um prato que se delicia aos poucos, sentado a uma mesa bem posta e, de preferência, com o corpo de seu inimigo a servir de assento. Abraços.