por Marcelo Seabra
A máfia funciona mais ou menos como o governo de um país. Essa parece ser a ideia que fica após uma sessão de O Homem da Máfia (Killing Them Softly, 2012), nova parceria entre o diretor e roteirista Andrew Dominik e Brad Pitt, mesma dupla de O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (2007). O ator mais uma vez mostra ser versátil e esperto o suficiente para não ficar preso à sua própria imagem, enquanto Dominik comprova ser um grande contador de histórias, seja em um faroeste histórico ou em um policial contemporâneo. E usar Johnny Cash e Velvet Underground na trilha só conta pontos a favor.
Pitt tem ótimas atuações em sua carreira, o que não significa que não tenha certos maneirismos que são repetidos com frequência. Mesmo assim, ele confere a seu Jackie Cogan o ar necessário: um sujeito razoavelmente inteligente e violento na mesma medida, que consegue circular bem tanto entre advogados importantes quanto entre a escória do pior nível. Ele é o sujeito que você vai querer contratar se precisar matar alguém ou, resumindo de um jeito simplista, se tiver um problema complicado para resolver. Ao mesmo tempo em que tenta ser solidário e companheiro, ele é prático e objetivo, e um tanto frio. Cogan prefere matar de forma suave, sem envolvimento emocional, como o título original indica, o que manteria seu profissionalismo.
Somos apresentados a um criminoso de segunda (Scoot McNairy, de Argo, 2012 – à direita) que procura uma oportunidade de ganhar dinheiro fácil. Para ajudá-lo na missão, convoca o nada confiável Russell (Ben Mendelsohn, de Batman Ressurge, 2012 – à esquerda), um drogado que não parece fazer nada direito. Depois de darem um golpe em Markie (Ray Liotta, de Anti-Heróis, 2011), eles acreditam estarem tranqüilos e com alguma segurança financeira. É quando entra em cena Jackie Cogan, uma mistura de investigador e executor da máfia que vai tentar juntar as peças e castigar os responsáveis. Afinal, a casa de jogos era administrada por gente importante e “a rua” precisa saber que a situação foi resolvida de forma exemplar, para que outros não resolvam tramar crimes parecidos.
O contexto em que a história é ambientada fica claro logo de cara: o ano é 2008, pouco antes da vitória de Obama nos Estados Unidos. A necessidade de Dominik de reforçar constantemente a situação econômica ruim e a falta de esperança no modelo vigente dos americanos cansa, ele poderia ter confiado um pouco mais na capacidade do público de entender isso mais sutilmente. Mas nada que deponha contra, e os discursos e matérias jornalísticas usados para dar um ar de realidade são até interessantes para criarem esse contraponto entre criminosos e políticos, algo muito familiar para o brasileiro. É desanimador saber que aquela confiança depositada em Obama não foi totalmente retribuída, já que a saúde do país não melhorou muito.
As situações enfrentadas pelos personagens mostram a imagem que os gângsters podem ter de si mesmos: seres infalíveis e bem sucedidos destinados à glória. Na realidade, vemos algo longe disso, principalmente na figura do matador Mickey (James Gandolfini, o Tony Soprano da TV – ao lado). Ele é alcoólatra, vive a possibilidade de ser preso por uma besteira (em comparação com as atrocidades que cometeu) e foi abandonado pela esposa. Nada mais perdedor. O advogado vivido por Richard Jenkins (de Amizade Colorida, 2011) não é diferente: ele precisa consultar uma junta para ter qualquer definição quando surge um impasse, um processo cansativo e burocrático. Jogos, assassinatos e extorsão não passam de um negócio, com as mesmas complicações que negócios lícitos podem trazer. O golpe aplicado causa uma crise econômica no submundo local que parece refletir o cenário nacional.
Apesar de alguns diálogos serem mais longos do que o necessário, o que torna alguns trechos um pouco cansativos, a construção dos personagens é rica e o desenrolar das situações é simples, e talvez por isso mesmo bem verossímil. Dominik se baseou em um livro de 1974, Cogan’s Trade, do falecido George V. Higgins. O autor descrevia bem o que estava acontecendo sem ser didático além da conta, o que situa sem ser desnecessariamente expositivo ou repetitivo. A linguagem utilizada é própria do submundo, e Pitt e seus colegas de cenas mantêm essa agilidade, trazendo a trama para dias mais próximos dos que vivemos, mesmo que com ar setentista. A época muda, mas os desafios e as armadilhas são os mesmos.