por Marcelo Seabra
Uma das estreias da semana, Confiar (Trust, 2010) é um filme que deve funcionar melhor na televisão, um meio mais intimista. Trata-se de uma obra menor, e não estou falando de qualidade. Não há uma preocupação com ação, ou uma investigação policial instigante. O foco da produção é o efeito que a violência sexual juvenil tem numa família. Nada mais surpreendente que descobrir que o diretor é ninguém menos que o Ross da amada série Friends, David Schwimmer.
Liana Liberato, uma jovem e competente atriz em seu primeiro papel de destaque, conduz o longa com segurança no papel de uma colegial normal, que busca aceitação e acredita ter conhecido um garoto bacana pela Internet. Entre festinhas, incursões na turma das meninas supostamente descoladas e a busca por uma vaga no time de vôlei, Annie confidencia tudo ao amigo online, que se mostra compreensivo, sábio e incentivador.
O subúrbio onde a família mora parece aqueles de comercial de margarina, onde tudo dá certo e todos são felizes. Papai Clive Owen (de Trama Internacional, 2009) e mamãe Catherine Keener (de Onde Vivem os Monstros, 2009) têm um casamento sólido, bem resolvido, e criam os três filhos com uma certa liberdade. O mais velho está indo para a faculdade, e os pais não escondem um certo apego a ele. Nada mais natural.
Num belo dia como outro qualquer, com os pais longe, Annie resolve conhecer pessoalmente seu amigo, mesmo que ele não fosse tão novo como havia dito no começo. Uma pessoa apaixonada, independente da idade, faz coisas tolas. E essa é a principal qualidade de Confiar: em momento algum, o filme desrespeita os sentimentos da menina ou a explora de forma desnecessária, o que poderia facilmente ter acontecido. Um ato de violência acontece, apenas o começo de uma jornada de sofrimento.
Logo, a família é convocada a um hospital, onde a menina passa por exames físicos, o FBI é envolvido e cada um vai lidar com o problema de uma forma. Enquanto a mãe, visivelmente perturbada por descobrir que existe maldade no mundo, dá apoio incondicional à filha, o pai fica obcecado e começa a se meter na investigação. Ele começa a visualizar com frequência a filha sendo atacada e parece que vai se transformar em Charles Bronson a qualquer momento. Tirando um exagero aqui outro ali, Owen e Catherine estão ambos muito bem, ficando à altura de Liana. A única tolice é colocar o pai como um executivo de marketing que usa imagens de jovens sexualizadas para promover uma marca de roupas.
Um dos roteiristas de Confiar (ao lado do novato Andy Bellin), Robert Festinger, foi indicado ao Oscar pelo seu único trabalho anterior, Entre Quatro Paredes (In the Bedroom, 2001), do diretor e roteirista Todd Field. Trata-se de outro filme sobre como a violência pode entrar em uma casa de gente pacífica e alterar a vida de toda uma família. E é muito corriqueiro que esse tipo de filme descambe para o tema do vigilantismo, como aconteceu com Jodie Foster em Valente (The Brave One, 2007), Kevin Bacon em Sentença de Morte (Death Sentence, 2007), Sally Field em Olho por Olho (Eye for an Eye, 1996) ou mesmo com Charles Bronson nos vários Desejo de Matar (Death Wish). O caminho escolhido pelo filme se mostra bem mais interessante e crível.
Os colegas do elenco de Friends não tiveram sucesso no cinema após o fim da série. Jennifer Aniston, a Rachel, tem um volume grande de trabalhos, mas nada muito memorável, e ainda tenta se encontrar. O maior momento de Schwimmer (ao lado) foi como a girafa hipocondríaca Melman do desenho Madagascar e de seus derivados. Atrás das câmeras, ele havia comandado o bobinho Maratona do Amor (Run, Fat Boy, Run, 2007), além de episódios e filmes para a televisão. Não dava para prever que ele faria um dos melhores filmes do ano até agora, um drama verossímil que evita apelação e lida com uma questão bem complicada. Não deve ser nada fácil para um pai aceitar que ele não pode proteger seus filhos cem por cento do tempo.