Paul Haggis opta por escrever na Terceira Pessoa

por Marcelo Seabra

Third Person

Dando um tempo na ação desenfreada, Liam Neeson partiu para o novo drama de Paul Haggis, diretor e roteirista lembrado pelo premiado Crash – No Limite (2004), longa que trazia várias histórias entrecortadas e alguns nomes estelares no elenco. Com Terceira Pessoa (Third Person, 2013) não é diferente, só o foco é outro. Ao invés de tratar da violência das grandes cidades, Haggis foi mais poético e voltou sua atenção a um escritor com bloqueio criativo que decidiu mudar radicalmente de vida.

Com lançamento mundial no Festival de Toronto em setembro de 2013, o filme foi aos poucos chegando nos demais países, e só agora ao Brasil. Talvez, as críticas negativas tenham algo a ver, inibindo uma estreia mais ágil e barulhenta. De fato, trata-se de uma obra menor de quem realizou No Vale das Sombras (In The Valley of Elah, 2007) e Crash e escreveu 007 – Cassino Royale (Casino Royale, 2006), entre outros. São mais de 130 minutos cruzando tramas por Paris e Roma, centradas em três núcleos. Ficamos na expectativa de como esses grupos vão se encontrar, se é que vão, e como tudo será amarrado.

Third Person couple

Neeson (da trilogia Busca Implacável) vive Michael, o tal escritor que se muda para Paris, deixa a esposa (Kim Basinger, de Ajuste de Contas, 2013) e busca criar sua próxima obra. Ele tem a companhia de Anna (Olivia Wilde, de Rush, 2013), numa relação que parece ser bem complicada. Paralelamente, conhecemos Julia (Mila Kunis, de O Destino de Júpiter, 2015), uma atriz falida que busca resolver a situação da guarda do filho com o ex-marido (James Franco, de A Entrevista, 2014). E tem o ladrão de designs de roupas (Adrien Brody, de Grande Hotel Budapeste, 2014) que decide ajudar uma desconhecida (Moran Atias, da série Crash, 2008) a recuperar a filha.

No meio do caminho, as coisas ficam cansativas. Algumas pistas são deixadas por Haggis, para que o público possa decifrar o que está havendo. O problema é o espectador já ter desistido a essa altura. Mas, ao final da sessão, as peças se encaixam e a experiência de torna menos pesarosa – se é que isso é possível. Poderia uma conclusão ser poderosa o suficiente a ponto de mudar a sua opinião a respeito da obra toda? Na pior das hipóteses, Terceira Pessoa é um filme coerente e bem amarrado. E mesmo seus detratores devem concordar que Haggis não é apenas mais um cineasta contratado filmando a bobagem da semana. Ele pode até ter errado o alvo, mas a vontade de continuar acompanhando-o permanece.

O elenco feminino prestigiou o lançamento em Toronto

O elenco feminino prestigiou o lançamento em Toronto

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Will Smith dá golpes e volta aos cinemas

por Marcelo Seabra

Focus poster

Depois de alguns anos aparecendo o suficiente para nos cansarmos dele, Will Smith deu uma sumida. Claro que o fracasso retumbante de Depois da Terra (After Earth, 2013), aventura à qual levou o filho junto, tem muito a ver com isso. Agora, ele lança um novo trabalho como protagonista, Golpe Duplo (Focus, 2015). E todas as atenções se viram para as bilheterias, para ver se Smith ainda tem o toque de Midas que o caracterizava do meio da década de noventa em diante.

Procurado sobre a questão financeira, o ator disse não ter essa preocupação, buscando apenas crescer como artista. Baseado nas primeiras semanas de exibição pelo mundo, pode-se dizer que a produção se pagou com tranquilidade e em breve deve dobrar seu orçamento. São mais de 73 milhões de dólares de arrecadação contra 50 de custo. Não foi o sucesso que alguns esperavam, tampouco um fracasso. E Smith parece controlar um pouco o seu ego, restringindo os momentos constrangedores que parecem existir em seus filmes apenas para agradá-lo, como cenas vestido parcialmente e closes desnecessários.

Escrito e dirigido pelos criadores da atípica comédia O Golpista do Ano (I Love You, Philip Morris, 2009), Glenn Ficarra e John Requa, Golpe Duplo acompanha as desventuras de Nicky (Smith), um golpista bem sucedido que comanda uma turma de mãos leves e artistas de todo tipo de trapaça. Acostumado a ganhar a vida perigosamente e correndo riscos dia após dia, ele sabe que não pode se envolver emocionalmente ou perderá o foco – título original do longa. E o problema na vida dele chama-se Margot Robbie, a beldade que roubou a cena de DiCaprio em O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street, 2013).

Focus close

Mais discreto do que o usual, Smith consegue equilibrar carisma e um certo tom ameaçador para compor Nicky, o que funciona. E Robbie prova outra vez ser mais do que um corpinho bonito (ou seria um rostinho, ou os dois?), deixando que o filme use a sua beleza descaradamente para fazer o que os personagens fazem melhor: te enganar. Como já visto em diversas outras obras, a trama se constrói em alguns truques e o princípio fundamental dos pilantras é desviar a atenção da vítima, e Robbie serve bem a este propósito. A parceria do casal deve ter dado certo, eles já estão filmando o novo Esquadrão Suicida. Completando o elenco principal, temos o nosso Rodrigo Santoro, o Xerxes dos dois 300 e também de Golpista do Ano. Com um sotaque forte, ele dá seus pulos em Hollywood como um empresário argentino do ramo automobilístico.

O que faz com que Golpe Duplo não entusiasme é a natureza dos golpes. Enquanto alguns já são manjados, outros dependem de circunstâncias para acontecerem, e sai tudo certinho. E há outros ainda que não teriam como ser tão facilmente aplicáveis, o que tira um pouco da credibilidade. O resultado fica muito aquém de outros filmes com uma temática similar, como o já clássico Golpe de Mestre (The Sting, 1973) ou o mais recente A Cartada Final (The Score, 2001). Envolvendo jogos (sinuca, cartas etc), teríamos outros vários exemplos superiores, como A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986) ou Cartas na Mesa (Rounders, 1998). Por isso, sem novidade, acaba ficando no meio, junto com milhares de obras medianas.

Santoro segue construindo sua carreira lá fora

Santoro segue construindo sua carreira lá fora

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Chastain e McAvoy reforçam drama de casal

por Marcelo Seabra

the disappearance of eleanor rigby

Dois bons atores podem fazer a diferença em um filme. E é exatamente isso que segura Dois Lados do Amor (The Disappearance of Eleanor Rigby: Them, 2014), drama que propõe mostrar os dois pontos de vistas em uma relação conjugal. Não é das ideias mais originais, já que a guerra dos sexos é tema no Cinema desde os primórdios. Mas há um fato trágico no meio para complicar as coisas. O ritmo é lento e os diálogos são excessivos, combinação fatídica para uma sessão noturna.

Him e Her foram bem recebidos no Festival de Toronto, em 2013. O diretor e roteirista Ned Benson decidiu editar os dois longas, cada um com a visão de um do casal, e criar a soma dos dois pontos de vista, chamada Them. Nos Estados Unidos, todos os três passaram pelos cinemas, mas no Brasil só a versão resumida chegou. Um filme de 89 minutos junto a outro de 100 resultaram em uma obra de pouco mais de duas horas em que fica mais clara a forma diferente que um homem e uma mulher têm de lidar com determinadas situações.

the disappearance of eleanor rigby scene

Connor e Eleanor são ótimas oportunidades para James McAvoy (o jovem professor Xavier) e Jessica Chastain (de Interestelar, 2014) mostrarem seu talento. Ambos têm presenças marcantes em cena e utilizam o texto com segurança, mesmo que as ações de seus personagens não faça muito sentido. Principalmente no caso de Eleanor, que parece bem perdida, sem qualquer direção na vida. As aulas que começa a fazer, por exemplo, não têm função alguma a não ser ocupá-la – e trazer Viola Davis (de Os Suspeitos, 2013), sempre competente em cena. Outros nomes que completam o elenco são William Hurt (de A Hospedeira, 2013) e Isabelle Huppert (Amor, 2012), do lado da garota, e Ciarán Hinds (Circuito Fechado, 2013) e Bill Hader (de Homens de Preto 3, 2012), pelo rapaz.

Algumas pistas do que está acontecendo são jogadas aqui e ali e, talvez pelas coisas nunca ficarem cem por cento claras, é difícil para o público enxergar o casal como o roteiro pede. Esse distanciamento não ajuda a obra. E a diferença entre a forma que os dois reagem só não é óbvia para quem está envolvido – no caso, eles. É certo que cada um age de uma maneira em diversas situações, e nessa não seria exceção. Ned Benson peca por julgar que o que apresenta em Dois Lados de Amor é inédito. E tenta apimentar as coisas, digamos assim, alterando a ordem cronológica dos fatos, artifício hoje tão corriqueiro. E, falando em artifício desnecessário, pra quê usar uma canção dos Beatles (Eleanor Rigby, o nome da protagonista) se ela não vai servir para nada além de uma piadinha? O Michael Bolton de Como Enlouquecer Seu Chefe (Office Space, 1999) era muito mais legal.

Os longas foram bem recebidos em Cannes

Os longas foram bem recebidos em Cannes

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Serviço Secreto das HQs ganha divertida adaptação

por Marcelo Seabra

Kingsman

Dentre os muitos filmes de espiões a estrearem esse ano, o primeiro a chegar às telas vai ser difícil de bater. Kingsman: Serviço Secreto (Kingsman: The Secret Service, 2015) agrada tanto como uma aventura séria quanto como uma paródia do gênero, conseguindo um ótimo equilíbrio e atingindo o alvo em cheio. É um entretenimento de primeira, com uma trama atual e bem desenvolvida e um elenco fantástico. Só não deve agradar aqueles que não ficam muito à vontade com uma dose extravagante de violência.

O diretor Matthew Vaughn e sua constante colaboradora Jane Goldman, parceiros em Stardust (2007), Kick-Ass (2010) e X-Men: Primeira Classe (2011), adaptaram mais uma vez uma revista em quadrinhos de Mark Millar (Kick-Ass), criador de The Secret Service ao lado de  Dave Gibbons (de Watchmen). Mais uma vez, Vaughn se mostra o cineasta ideal para o serviço e a dupla de roteiristas não tem medo de mexer na fonte e criar quase uma obra nova, tamanha é a diferença entre elas. Há inclusive brincadeiras curiosas para os fãs, como colocar Mark Hamill (sim, Luke Skywalker) para viver um personagem sequestrado, sendo que na revista era o próprio ator a vítima dos vilões.

Kingsman candidates

A Kingsman do título é uma organização secreta – com uma história interessante, vale ressaltar – que recruta novos membros a cada vez que perde um dos seus. Cada espião tem um nome de código como na Távola Redonda, sendo Arthur (Michael Caine, da trilogia Batman) o líder. Colin Firth e Mark Strong, colegas no excepcional O Espião Que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011), têm a oportunidade de partir para a ação como Galahad e Merlin, respectivamente. Com a morte de Lancelot (Jack Davenport, de Piratas do Caribe), cada membro deve indicar um candidato para que se inicie o treinamento e um seja selecionado.

O filme toma o cuidado de, mesmo que de forma objetiva, criar um passado para o protagonista. Somos apresentados a Eggsy (Taron Egerton), um jovem sem muitas expectativas e modos que se vê com a chance de entrar para aquele grupo de cavalheiros. Ao mesmo tempo, um milionário excêntrico (Samuel L. Jackson, o Nick Fury da Marvel) cria um plano mirabolante que precisa ser parado. A fórmula de uma história à James Bond está lá e o filme chega a brincar com isso, mas sempre dá um jeito de surpreender. E, assim como em um Quentin Tarantino ou em Kick-Ass, a violência toma um tom absurdo que invariavelmente leva a risadas.

No papel de um espião clássico, Colin Firth pode usar diversas armas mirabolantes, além de brigar bastante. Mas sempre mantém seu terno impecável e sua pose de aristocrata, com seu marcante sotaque inglês completando a caracterização. Mark Strong está igualmente à vontade e Samuel L. Jackson aproveita para exagerar e se soltar de qualquer amarra social, só deixando presa sua língua, com uma pronúncia, vocabulário e roupas que o tornam o oposto dos agentes. O novato Egerton segura bem a responsabilidade que lhe é conferida, dando força e carisma a Eggsy o suficiente para cair nas graças do público. E, com tantos pontos fortes, Kingsman ainda conta com uma trilha sonora inspirada, que aparece nos momentos adequados, abrilhantando uma das aventuras mais divertidas do ano.

Firth e seu impecável terno à prova de balas

Firth e seu impecável terno à prova de balas

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Julianne Moore luta contra Alzheimer

por Marcelo Seabra

Still Alice Moore

Personagens doentes sempre atraem atenção em filmes e muita gente se sente compelida a apoiar a obra, sob pena de ser chamada de insensível ou desalmada. Mas a verdade é que é muito fácil errar a mão e partir para o melodrama irritante e irreal. Para Sempre Alice (Still Alice, 2014) é uma grata surpresa ao mostrar que sabe lidar com a doença e com a pessoa vitimada, sem apelar à emoção fácil. A protagonista frequentemente nos coloca na mesma perspectiva dela, nos fazendo ver como é duro perder aos poucos sua própria identidade. E ajuda muito ter uma ótima intérprete.

A premiada Julianne Moore (de Sem Escalas, 2014) faz a professora Alice Howland, uma sumidade na área da linguística que leciona na prestigiada Universidade de Columbia e tem uma vida realizada. Sua bela família e a bem sucedida carreira permitem que ela não tenha nada a reclamar, e seus objetivos profissionais continuam sendo atualizados de tempos em tempos. Mas Alice começa a ser surpreendida por esquecimentos bobos à primeira vista, e isso começa a acontecer com mais intensidade. Ela logo é diagnosticada como uma vítima precoce do mal de Alzheimer e tem ainda que lidar com a possibilidade de ter passado essa herança aos filhos.

Still Alice scene

Assim como visto em Amor (Amour, 2012), em que um idoso precisa lidar com o devastador derrame da esposa, Para Sempre Alice constrói um panorama bem crível e objetivo. Alice se definia em sua profissão e começa aí o primeiro questionamento que o filme levanta: a doença te transforma em outra pessoa? Você deixa de ser você? Ou Alice, como o título indica, será sempre Alice, independente de qualquer coisa? E o pior parece ser quando, nos momentos de lucidez, ela percebe o que está acontecendo e isto pesa ainda mais. Ela não quer ser um fardo para a família, e mais ainda: será que seria interessante continuar viva mesmo que sumindo aos poucos? Qual seria a atitude mais apropriada? O desespero que bate na personagem nesses momentos em que ela entende o que está havendo é tocante.

Toda essa sensibilidade seria desperdiçada se não houvesse uma atriz capaz de dar a Alice três dimensões. Julianne Moore, celebrada há anos como uma das melhores atrizes norte-americanas em atividade, traz uma verdade à professora que é louvável, não tendo problema algum em mostrar os momentos difíceis da doença, como na cena em que ela precisa de ajuda para se vestir. Aparecer descabelada é uma constante, mostrando não ter uma vaidade que a impediria de passar tanta honestidade. Seu talento sobressai quando ela aparece menos, evitando exageros ou apelações. O simpático canastrão Alec Baldwin não compromete, vivendo o marido ficcional de uma atriz oscarizada pelo segundo ano consecutivo (após Blue Jasmine, 2013). As celebridades Kate Bosworth (de Linha de Frente, 2013) e Kristen Stewart (de Acima das Nuvens, 2014) representam as filhas de Alice, e Hunter Parrish (de The Following) é o filho. Esses quatro personagens ajudam a dar mais profundidade ao problema da mãe e esposa, mostrando que a fatalidade pode acontecer bem perto de nós.

O casal de diretores e roteiristas independentes Richard Glatzer e Wash Westmoreland se incumbiu de escrever e conduzir a adaptação do livro da neurocientista Lisa Genova. Se o material original já trazia muita informação factual, o fato de Glatzer ser afetado pela esclerose lateral amiotrófica tornou o projeto ainda mais pessoal para eles. É a mesma doença do jogador de baseball Lou Gehrig e do cientista Stephen Hawking (retratado em A Teoria de Tudo, 2014). Assim como Alice, Glatzer luta bravamente contra a condição. Se podemos querer acreditar que algo de bom pode sair de uma tragédia, Para Sempre Alice é um ótimo e doloroso retrato de um futuro provável para boa parte da população. Estima-se que um em cada 85 indivíduos venha a sofrer desse tipo de demência nas próximas décadas. Por isso, uma obra simples e direta como esta é sempre bem-vinda.

Glatzer, mesmo debilitado, continua ativo no Cinema

Glatzer, mesmo debilitado, continua ativo no Cinema

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História fica devendo tons de cinza

por Marcelo Seabra

Fifty Shades of Grey

Com tanta expectativa por ser a adaptação de um bestseller, antes mesmo da estreia Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey, 2015) já tinha detratores e defensores, provocando discussões apaixonadas de gente que havia tido contato apenas com o livro de E.L. James. Como com Titanic (1997), mesmo sendo uma bobagem, fica difícil ignorar um lançamento como este. Primeiro lugar no ranking, com um público de quase cinco milhões de espectadores no Brasil em três semanas e um faturamento total estimado em quase 150 milhões de dólares. Sabendo que o orçamento ficou na casa de US$ 40 milhões, não fica dúvida de que as sequências vêm aí.

Muitas discussões surgiram do filme, se ele seria machista, se mostraria a mulher de forma negativa ou algo assim. Qualquer habitante do planeta já deve saber que se trata de uma história de sadomasoquismo, que pretende ser picante, excitante e tudo o mais que a “saga” Crepúsculo não foi no que diz respeito a sexo. James se assume fã da obra dos vampiros e disse em várias ocasiões ter pensado em algo parecido que fosse mais erótico, corrigindo uma falha que ela julgava existir no universo dos Cullen. Mas qualquer polêmica que surja desta nova adaptação vai apenas encobrir a simples verdade: o longa é apenas ruim, como o livro.

Fifty Shades of Grey scene

Somos apresentados à tímida Anastasia Steele (Dakota Johnson, de Anjos da Lei, 2012), que precisa entrevistar o patrono de sua turma para o jornal da faculdade. Por algum motivo, os colegas escolheram o empresário Christian Grey (Jaime Dornan, da série The Fall). O encontro dos dois já começa com uma promessa de que algo sairá dali. Os dois têm uma atração de cara, e a garota logo descobre que o bilionário, que ficou órfão quando criança, tem gostos singulares – não, ele não é o Batman. Ele tem preferências na cama que uma garota inexperiente como Anastasia pode estranhar. Ele propõe a ela um contrato que estabelece o que pode ou não ser feito entre quatro paredes e a relação entre eles começa a esquentar. O mais ridículo é Grey precisar ter um passado traumático para explicar suas preferências, como um vilão chinfrim de histórias em quadrinhos.

Apesar do bom desempenho como o psicopata em The Fall, Jaime Dornan não esboça qualquer tipo de emoção aqui. Ele impede que Grey tenha expressões, mudanças de entonação ou alguma outra característica humana. E Dakota Johnson tenta fazer o que pode com o material vazio que serve de base para o roteiro, trazendo certa simpatia e espirituosidade à sua personagem. É impressionante como acontecem coisas descabidas, como um falar para a outra se afastar e em seguida procurá-la. Grey usa seu dinheiro para comprar a garota e mostra sua personalidade dominadora em vários aspectos, mas o roteiro parece querer suavizá-lo, para que o público não fique com asco dele. A maior parte das falas é vazia, formada por frases feitas que buscam causar impacto. E não faltam clichês, como Anastasia sair do prédio imponente após um encontro com o sujeito e parar para receber a chuva no rosto, como que numa tentativa de se esfriar.

As cenas de nudez já eram esperadas e não são nem de perto memoráveis, como em filmes como Instinto Selvagem (1992) ou o mais recente Azul É a Cor Mais Quente (2013). Os jogos e instrumentos foram amplamente criticados por praticantes de sadomasoquismo, já que a visão passada desse mundo é a mais tola e superficial possível. Mas, ainda assim, o longa tem levado multidões aos cinemas, mesmo que as mulheres pareçam mais inclinadas que os homens. Sem ter nada inovador, chocante ou mesmo interessante e estrelado por um casal que parece se odiar, Cinqüenta Tons de Cinza terá seu período de consumo e fatalmente cairá no esquecimento, mencionado em conversas de boteco apenas como um modismo sem explicação que felizmente passou.

Juntos, o casal é nota zero em química

O casal é nota zero em química

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Longa de Bob Esponja mantém o espírito anárquico da TV

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

SpongeBob

Quando saí da sessão de Bob Esponja: Um Herói Fora d’Água (The SpongeBob Movie: Sponge Out of Water, 2015), o pensamento que mais se repetia em minha mente era: “esses caras tomaram LSD antes de escrever o roteiro desse filme, só pode”, tamanho é o nonsense da história escrita por Glenn Berger, Jonathan Aibel (ambos das franquias Kung Fu Panda e Alvin e os Esquilos), Stephen Hillenburg e Paul Tibbitt (roteiristas veteranos da série animada do personagem esponjoso). O mais legal é que é justamente esse espírito anárquico, sem se preocupar muito que as coisas façam sentido, é que faz a série algo tão popular entre crianças e (alguns) adultos e torna o longa-metragem baseado nela algo tão divertido. Até porque, convenhamos, não há como procurar sentido em uma animação baseada em uma série de TV que gira em torno de uma esponja que vive em um abacaxi no fundo do mar, correto?

A trama de Um Herói Fora d’Água não é algo que surpreenda aos fãs do desenho, muito pelo contrário, pois já foi explorada de diversas maneiras tanto na TV quanto no primeiro longa da turma da Fenda do Biquíni, lançado em 2004. Era de se esperar que o vilão fosse o mesmo de sempre, o minúsculo Plâncton (Mr. Lawrence), que tentaria roubar a fórmula do Hambúrguer de Siri do Sr. Siriqueijo (Clancy Brown), visando, com isso, conquistar fama e, principalmente, fortuna no ramo do fast food. O ladrão de fórmulas aqui, no entanto, não é o Plâncton e, sim, um pirata interpretado de maneira bastante relaxada e mesmo caricata por Antonio Bandeiras (de Os Mercenários 3, 2014).

SpongeBob Bandeiras

A partir do momento em que a fórmula desaparece e o hambúrguer não pode mais ser produzido, a Fenda do Biquíni entra em um colapso de proporções apocalípticas e cabe a Bob Esponja (Tom Kenny), seu melhor amigo Patrick (Bill Fagerbakke), o rabugento Lula Molusco (Rodger Bumpass), a esquilo Sandy (Carolyn Lawrence), o Sr. Siriqueijo e um hesitante Plâncton unirem forças para ir à superfície recuperá-la e salvar sua cidade.

Bob Esponja: Um Herói Fora d’Água tem 85 minutos de puro nonsense. Apesar de ter uma trama definida, as situações que se sucedem ao longo da película são muitas vezes surpreendentes, sem sentido e até geniais. A sequência onde o Plâncton invade o cérebro de Bob Esponja e se espanta com o que encontra lá dentro ou as viagens temporais nas quais a dupla se aventura em busca do ladrão da fórmula do Hambúrguer de Siri são bons exemplos desse tipo de descompromisso dos roteiristas em seguir qualquer lógica. E é interessante perceber o quanto o quarteto de escritores conhece seu público, pois em ambas as sequências há referências que, muito provavelmente, adultos perceberão. Não creio que qualquer criança saque, por exemplo, a homenagem a O Iluminado, de Kubrick. A Marvel e seus Vingadores também são outra fonte de inspiração, especialmente no terceiro ato, quando a animação 2D dá lugar à 3D, com o quinteto do fundo do mar circulando na superfície e interagindo com atores de carne e osso. Essa, inclusive, é a única passagem que justifica a sessão ser assistida em 3D. O resto do filme pode ser visto até mesmo sem os óculos sem maiores problemas. Outro destaque do filme é o pirata de Antonio Bandeiras. O ator incorpora de maneira bastante interessante o exagero e a falta de noção (pra não repetir novamente o termo nonsense) que permeia a série e seus personagens, tornando seu vilão um exemplar típico de inimigo para Bob Esponja & Cia. É bem legal ver um artista conceituado como Bandeiras mergulhando nesse tipo de papel, ignorando quaisquer possíveis críticas sobre exageros em sua atuação já que, afinal, é isso que o personagem exige.

Bob Esponja: Um Herói Fora d’Água é exatamente aquilo que os fãs esperavam do longa: um filme sem sentido, totalmente sem noção e extremamente divertido. E vem chamando a atenção nas bilheterias, perdendo nas últimas semanas apenas para a sensação Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey, 2015). Vale a pena ver até mesmo dublado, já que a mesma equipe que trabalha na série de TV foi escalada aqui. E achar sessões legendadas do filme é algo mais difícil do que roubar a fórmula do Hambúrguer de Siri.

Os personagens chegam ao mundo real!

Os personagens chegam ao mundo real!

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Oscar 2015 – O Resultado

por Marcelo Seabra

Oscars 2015 NPH

Para quem perdeu a entrega dos Oscars da noite passada, o resultado segue abaixo. Mas, antes, algumas surpresas para os leitores do Pipoqueiro.

Abaixo, uma seleção das melhores (ou algumas das) mensagens via Twitter (por Rodrigo Seabra):

53 1 6 12 14 15 18 19 22 23 28 30 31 33 34 35 41 46 50

E este foi um momento bem emocionante numa edição em que não faltaram momentos lacrimejantes (como nos discursos de J.K. Simmons e Graham Moore ou na engasgada de Eddie Redmayne) – a apresentação da vencedora do prêmio de Melhor Canção, Glory, do filme Selma:

 

E os vencedores são:

Alejandro Gonzalez Inarritu

Melhor Filme
Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância)

Melhor Diretor
Alejandro González Iñárritu, Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância)

Melhor Ator
Eddie Redmayne, A Teoria de Tudo

Melhor Atriz
Julianne Moore, Para Sempre Alice

Melhor Ator Coadjuvante
J.K. Simmons, Whiplash – em Busca da Perfeição

Melhor Atriz Coadjuvante
Patricia Arquette, Boyhood – Da Infância à Juventude

Melhor Roteiro Original
Alejandro González Inarritu, Nicolas Giacobone, Alexander Dinelaris, Jr. & Armando Bo, Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância)

Melhor Roteiro Adaptado
Graham Moore, O Jogo da Imitação

Melhor Animação
Operação Big Hero

Melhor Filme Estrangeiro
Ida (Polônia)

Melhor Documentário
CitizenFour

Melhor Canção
Glory – Selma: Uma Luta Pela Igualdade (John Stephens e Lonnie Lynn)

Melhor Trilha Sonora
Alexandre Desplat, O Grande Hotel Budapeste

Melhor Fotografia
Emmanuel Lubezki, Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância)

Melhor Montagem
Tom Cross, Whiplash – em Busca da Perfeição

Melhor Design de Produção
Adam Stockhausen & Anna Pinnock, O Grande Hotel Budapeste

Melhor Figurino
Milena Canonero, O Grande Hotel Budapeste

Melhores Efeitos Visuais
Interestelar

Melhor Cabelo e Maquiagem
O Grande Hotel Budapeste

Melhor Edição de Som
Sniper Americano

Melhor Mixagem de Som
Whiplash: Em Busca da Perfeição

Melhor Curta de Animação
Feast

Melhor Documentário Curta-Metragem
Disque-Crise para Veteranos

Melhor Curta-Metragem Live Action
The Phone Call

Crisis

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Oscar 2015 – Indicados e Previsões

por Marcelo Seabra

Oscars Neil

A 87ª edição dos Academy Awards, mais conhecidos como Oscars, será realizada esta noite, 22 de fevereiro, com apresentação de Neil Patrick Harris (acima). Os filmes mais lembrados são Birdman e O Grande Hotel Budapeste, cada um em nove categorias. Este ano, várias indicações tidas como certas ficaram de fora, causando certa polêmica, assim como outros que talvez não merecessem acabaram aparecendo.

Como no ano passado, abaixo segue a lista completa de indicados em suas respectivas categorias. Marco o meu palpite do vencedor com o número 1 e o meu favorito (que infelizmente não deve ganhar) com o 2. Se coincidirem, basta um X. Se não houver marcação do número 2, é porque não foi possível julgar, e segue apenas o palpite. Todos os filmes já criticados aqui têm um link para o texto em sua primeira aparição na lista. Clique para conferir o texto completo.

Birdman Oscar

– Melhor Filme
Sniper Americano
Birdman (X)
Boyhood
O Grande Hotel Budapeste
O Jogo da Imitação
Selma
A Teoria de Tudo
Whiplash

– Melhor Diretor
Alejandro González Iñárritu (Birdman) (2)
Richard Linklater (Boyhood) (1)
Bennett Miller (Foxcatcher)
Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste)
Morten Tyldum (O Jogo da Imitação)

– Melhor Ator
Steve Carell (Foxcatcher)
Bradley Cooper (Sniper Americano)
Benedict Cumberbatch (O Jogo da Imitação)
Michael Keaton (Birdman) (X)
Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)

Oscar Moore

– Melhor Atriz
Marion Cotillard (Dois Dias, Uma Noite)
Felicity Jones (A Teoria de Tudo)
Julianne Moore (Para Sempre Alice) (X)
Rosamund Pike (Garota Exemplar)
Reese Witherspoon (Livre)

– Melhor Ator Coadjuvante
Robert Duvall (O Juiz)
Ethan Hawke (Boyhood)
Edward Norton (Birdman)
Mark Ruffalo (Foxcatcher)
J.K. Simmons (Whiplash) (X)

– Melhor Atriz Coadjuvante
Patricia Arquette (Boyhood) (1)
Laura Dern (Livre)
Keira Knightley (O Jogo da Imitação)
Emma Stone (Birdman) (2)
Meryl Streep (Caminhos da Floresta)

– Melhor Filme em Língua Estrangeira

Ida (Polônia) (1)
Leviatã (Rússia)
Tangerines (Estônia)
Timbuktu (Mauritânia)
Relatos Selvagens (Argentina) (2)

How-to-Train-Your-Dragon-2

– Melhor Animação
Operação Big Hero
Como Treinar o Seu Dragão 2 (X)
Os Boxtrolls
Song of the Sea
The Tale of the Princess Kaguya

– Melhor Roteiro Original
Alejandro G. Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris Jr. e Armando Bo (Birdman)
Richard Linklater (Boyhood)
E. Max Frye e Dan Futterman (Foxcatcher) (2)
Wes Anderson e Hugo Guinness (O Grande Hotel Budapeste) (1)
Dan Gilroy (O Abutre)

– Melhor Roteiro Adaptado
Jason Hall (Sniper Americano)
Graham Moore (O Jogo da Imitação) (1)
Paul Thomas Anderson (Vício Inerente)
Anthony McCarten (A Teoria de Tudo)
Damien Chazelle (Whiplash) (2)

– Melhor Fotografia
Emmanuel Lubezki (Birdman) (X)
Robert Yeoman (O Grande Hotel Budapeste)
Lukasz Zal e Ryszard Lenczewski (Ida)
Dick Pope (Sr. Turner)
Roger Deakins (Invencível)

Boyhood

– Melhor Montagem
Joel Cox e Gary D. Roach (Sniper Americano)
Sandra Adair (Boyhood) (X)
Barney Pilling (O Grande Hotel Budapeste)
William Goldenberg (O Jogo da Imitação)
Tom Cross (Whiplash)

– Melhor Design de Produção
O Grande Hotel Budapeste (1)
O Jogo da Imitação
Interestelar
Caminhos da Floresta (2)
Sr. Turner

– Melhores Efeitos Visuais
Dan Deleeuw, Russell Earl, Bryan Grill e Dan Sudick (Capitão América 2: O Soldado Invernal)
Joe Letteri, Dan Lemmon, Daniel Barrett e Erik Winquist (Planeta dos Macacos: O Confronto)
Stephane Ceretti, Nicolas Aithadi, Jonathan Fawkner e Paul Corbould (Guardiões Da Galáxia) (2)
Paul Franklin, Andrew Lockley, Ian Hunter e Scott Fisher (Interestelar) (1)
Richard Stammers, Lou Pecora, Tim Crosbie e Cameron Waldbauer (X-Men: Dias de um Futuro Esquecido)

– Melhor Figurino
Milena Canonero (O Grande Hotel Budapeste) (X)
Mark Bridges (Vício Inerente)
Colleen Atwood (Caminhos da Floresta)
Anna B. Sheppard e Jane Clive (Malévola)
Jacqueline Durran (Sr. Turner)

Grand Budapest Hotel

– Melhor Maquiagem e Cabelo
Bill Corso e Dennis Liddiard (Foxcatcher) (2)
Frances Hannon e Mark Coulier (O Grande Hotel Budapeste) (1)
Elizabeth Yianni-Georgiou e David White (Guardiões da Galáxia)

– Melhor Trilha Sonora
Alexandre Desplat (O Grande Hotel Budapeste)
Alexandre Desplat (O Jogo da Imitação) (2)
Hans Zimmer (Interestelar)
Gary Yershon (Sr. Turner)
Jóhann Jóhannsson (A Teoria de Tudo) (1)

– Melhor Canção
Everything Is Awesome, de Shawn Patterson (Uma Aventura Lego) (2)
Glory, de John Stephens e Lonnie Lynn (Selma) (1)
Grateful, de Diane Warren (Além das Luzes)
I’m Not Gonna Miss You, de Glen Campbell e Julian Raymond (Glen Campbell…I’ll Be Me)
Lost Stars, de Gregg Alexander e Danielle Brisebois (Mesmo Se Nada Der Certo)

– Melhor Edição de Som
Alan Robert Murray e Bub Asman (Sniper Americano) (X)
Martín Hernández e Aaron Glascock (Birdman)
Brent Burge e Jason Canovas (O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos)
Richard King (Interestelar)
Becky Sullivan e Andrew DeCristofaro (Invencível)

American Sniper

– Melhor Mixagem De Som
John Reitz, Gregg Rudloff e Walt Martin (Sniper Americano) (1)
Jon Taylor, Frank A. Montaño e Thomas Varga (Birdman)
Gary A. Rizzo, Gregg Landaker e Mark Weingarten (Interestelar)
Jon Taylor, Frank A. Montaño e David Lee (Invencível)
Craig Mann, Ben Wilkins e Thomas Curley (Whiplash) (2)

– Melhor Documentário
O Sal da Terra
Citizenfour (1)
Finding Vivian Maier
Last Days
Virunga

– Melhor Documentário em Curta-Metragem
Crisis Hotline: Veterans Press 1
Joanna (1)
Our Curse
The Reaper (La Parka)
White Earth

– Melhor Animação em Curta-Metragem
The Bigger Picture
The Dam Keeper
Feast (1)
Me And My Moulton
A Single Life

– Melhor Curta-Metragem em ‘Live-Action’
Aya
Boogaloo and Graham
Butter Lamp (La Lampe au Beurre de Yak)
Parvaneh (1)
The Phone Call

Estes são os atores e atrizes principais indicados de 2015

Estes são os atores e atrizes indicados como principais em 2015

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Fatos revoltantes ganham as telas com qualidade

por Marcelo Seabra

The Imitation Game poster

Alguns filmes causam revolta pelos motivos errados: são ruins de doer (não é, Wachowskis?). Outros, pelos motivos certos: chamam a atenção para questões importantes e são atuais mesmo voltando no tempo, para relatar um fato passado. E mostram o que a assim chamada humanidade é capaz de fazer uns com os outros, por causa de cor de pele, orientação sexual e outras características do indivíduo. Dois dos indicados ao Oscar de Melhor Filme deste ano, atualmente em cartaz, vão por este caminho. O Jogo da Imitação (The Imitation Game, 2014) nos apresenta a um gênio que ajudou a por fim na Segunda Guerra e, mesmo assim, sofreu como poucos por ser homossexual. E Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2014) recapitula a luta encabeçada por Martin Luther King pelos direitos dos negros no auge do racismo sulista norte-americano.

Alan Turing (vivido pelo ótimo Benedict Cumberbatch, de Além da Escuridão – Star Trek, 2013) foi um matemático procurado pelo governo inglês para integrar um grupo cujo objetivo era quebrar o código das mensagens alemãs durante a guerra. Se o time conseguisse vencer a máquina Enigma, que codificava os textos, os aliados poderiam prever a ação do inimigo e salvar as vidas de milhares de soldados e acabar com o conflito. Turing era uma pessoa complicada, difícil nas relações interpessoais, e o filme acompanha a integração dele com os demais, dentre os quais deve-se ressaltar Hugh Alexander (Matthew Goode, de Segredos de Sangue, 2013) e Joan Clarke (Keira Knightley, de Operação Sombra – Jack Ryan, 2014).

The Imitation Game

A direção de Morten Tyldum não é das mais inspiradas, ficando longe do suspense causado por seu trabalho anterior, Headhunters (2011). Mas o filme funciona bem graças a vários fatores, como a trilha apropriada e o roteiro dinâmico, e o principal deles é o protagonista. Cumberbatch, que sempre busca personagens desafiadores, retrata Turing como alguém cheio de reservas, que parece ter uma barreira à sua frente que impede qualquer um de se aproximar. O fato de ele ser gay numa época em que isso era proibido explica muita coisa, e também o motivo de hoje ele não ser conhecido e exaltado como um dos grandes nomes do século. O ator traz uma estranheza a Turing que fica quase no limite de causar repulsa, tamanha é a antipatia que ele gera num primeiro momento. Vencida essa carapaça, há doçura que ele também sabe dosar.

Como o roteirista novato Graham Moore está mais interessado no episódio da guerra, a questão da homossexualidade de Turing fica em segundo plano. Mas o filme não a evita, apenas não se aprofunda, o que se mostra apropriado para a condução da trama, com revelações acontecendo no momento certo. Algumas alterações foram feitas para fins dramáticos, mas o levantamento dos fatos tem sido realizado há anos. Andrew Hodges, autor do livro Alan Turing: The Enigma, no qual o roteiro é baseado, vem popularizando tópicos ligados a ciências e à matemática e é reitor de uma grande escola da Universidade de Oxford. O livro e o filme fazem uma necessária e bem-vinda homenagem a Turing, que não podia continuar desconhecido tamanha foi sua contribuição ao mundo e a injustiça cometida contra ele.

Selma

Outro filme revoltante – no bom sentido – dessa temporada de premiações é Selma: Uma Luta Pela Igualdade, drama que acompanha a batalha dos negros em uma das cidades onde o racismo era mais gritante. Em Selma, Alabama, mais de 50% da população era negra, mas eles não podiam votar. A falta do voto impedia que se quebrasse um círculo vicioso que mantinha os negros bem longe de qualquer ideia de poder, e eles não tinham quem os representassem. O xerife Jim Clark (Stan Houston, de Sem Evidências, 2013) era o primeiro dos preconceituosos, e liderava uma polícia truculenta que não titubeava antes de agredir quem quer que fosse, independente de sexo ou idade. E ele contava com o suporte do governador do estado, George Wallace, mais uma ótima interpretação na carreira de Tim Roth (de A Negociação, 2012).

A favor da maioria da população, temos o Dr. Martin Luther King Jr., a principal grande atuação do longa. David Oyelowo (de Interestelar, 2014) faz uma bela composição de um homem que tem dúvidas e defeitos, mas não se cansa de buscar aquilo em que acredita. Mesmo que o custo seja alto. Sua família passa por privações, a maior sendo a própria ausência dele em casa, e sua esposa (Carmen Ejogo, de Uma Noite de Crimes: Anarquia, 2014) tenta ser compreensiva até frente aos golpes baixos dos inimigos. Ameaças à vida da família são uma constante e ela teme pelo dia em que alguma delas será cumprida. King negocia diretamente com o então presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson, de O Grande Hotel Budapeste, 2014), que, como um político padrão, não quer tomar nenhuma decisão polêmica que possa desagradar seu eleitorado.

Selma scene

Com a visão de mundo de hoje, é revoltante aceitar que era proibida aos negros a simples possibilidade de andar nos mesmos ônibus que os brancos, e que havia banheiros separados. Cada barreira dessas que caia era vista como uma grande vitória para quem buscava igualdade e soava como provocação para o outro lado, que não raro recorria à violência para “colocar aquelas pessoas em seu devido lugar”, ou algo assim. A exemplo de obras como Mississipi em Chamas (Mississippi Burning, 1988) e Assassinato no Mississipi (Murder in Mississippi, 1990), que giram em torno do mesmo caso, vemos como os agressores atuavam, impedindo os negros de terem acesso ao que lhes era garantido por lei e perseguindo quem era contrário. Se fosse branco, considerado “amigo dos negros”, tanto pior.

Ava Duvernay & David OyelowoCom os casos de abuso da polícia e de racismo em geral nos Estados Unidos, a realidade retratada em Selma se torna muito próxima. E a repetição do erro é um fantasma sempre presente. Daí, a importância de voltar as atenções a este episódio. Para quem lê a sinopse, pode parecer um dramalhão, algo piegas que ocuparia o lugar de filme da semana na TV. Mas trata-se de um cartão de visitas fantástico para a diretora Ava DuVernay (acima, com Oyelowo), que era desconhecida, e seu roteirista estreante, Paul Webb, que foi muito sábio ao se ater a um momento delimitado e explorar toda a dramaticidade dele. Ambos demonstraram muita maturidade ao lidar com o material e evitar sentimentalismos baratos, sendo fiéis aos fatos e às motivações dos vários personagens envolvidos.

O que é mais difícil de aceitar em filmes como O Jogo da Imitação e Selma é se tratarem de histórias reais. Saber que o ser humano é capaz de tantas atrocidades e covardias dói. Mas é necessário relembrar para evitar insistir no erro. E a sociedade parece estar andando para trás no que diz respeito a conquistas sociais, principalmente quanto a minorias, que buscam apenas ter os mesmos direitos que os demais. Selma, inclusive, ressalta o tanto que é possível conquistar através do protesto não violento. E se buscava apenas o justo, nada a mais. E nenhum favor.

Os verdadeiros Lyndon Johnson e Martin Luther King em um dos vários encontros

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