Adolescentes conversam com os mortos em Fale Comigo

É impressionante como os adolescentes personagens em filmes, principalmente os norte-americanos, ainda não aprenderam que não devem brincar com os mortos. Brincadeiras à parte, uma nova obra de terror chegou aos cinemas e trouxe consigo um pouco de ar fresco. Fale Comigo (Talk to Me, 2022) parte do mesmo ponto que muitos outros já invocaram, mas consegue chegar num resultado mais criativo que a maioria, atendendo bem à tão complicada demanda por um bom filme de terror.

 

Fazendo sua estreia na direção de um longa-metragem para o Cinema, os irmãos gêmeos e youtubers Michael e Danny Philippou mostram ter boas ideias e fogem do óbvio. Criando situações interessantes, eles evitam clichês e não tratam ninguém como imbecis, nem o público, nem seus personagens. As mesmas características dos jovens de, digamos, John Hughes, encontramos nesses, com pequenas atualizações. Buscando serem aceitos e fazerem parte, topam se arriscar e fazem algumas burrices. Temos ainda um forte sentimento de perda que vai definir os movimentos de um deles.

Chega às mãos de um colegial popular e ligeiramente babaca uma mão endurecida que, antes de ser revestida, supostamente pertenceu a uma vidente. Ela daria a qualquer um o poder de falar com os mortos e os protagonistas logo se motivam a participar do joguinho. Tudo corre bem num primeiro momento, mas eles não demoram a quebrar as regras e a enfrentar as consequências. As coisas vão acontecendo de forma dinâmica, uma vez que o clima de tensão foi estabelecido, e tudo se encaixa bem.

A atriz Sophie Wilde ganha aqui sua primeira oportunidade num longa, e ainda no papel principal, e deve ficar bem famosa com seus próximos trabalhos. Um deles, O Portal Secreto (The Portable Door, 2023), também traz a colega Miranda Otto, nome mais famoso do elenco desse Fale Comigo. Os demais não destoam, com destaque também para o garoto Joe Bird, que vive um irmão mais novo que quer ser respeitado pela turma mais velha da irmã (Alexandra Jensen).

Não é de se estranhar, dado o histórico dos Philippous, que a trama aproveite a questão das redes sociais e vídeos que viralizam, se provando bem atual. Isso, somado a efeitos práticos e a um grande cuidado com o design de produção, resulta em algo muito crível, com a vitalidade de outros grandes independentes do gênero. Assim como em vários outros casos, os Philippous podem ter dado aqui o pontapé inicial de uma franquia, a exemplo de Uma Noite de Crimes e Jogos Mortais. O primeiro, no entanto, será sempre o mais fresco.

Os Philippou levaram seu elenco ao Festival de Sundance

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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