No clássico livro Drácula (1897), de Bram Stoker, há um capítulo com os relatos de bordo do capitão do navio Deméter, que teria levado o conde vampiro da Romênia para a Inglaterra, onde ele iria procurar a reencarnação de sua noiva. O roteirista Bragi F. Schut Jr., ao ver a miniatura do Deméter usada na adaptação de 1992 (de Francis Ford Coppola), ficou interessado e começou a desenvolver um roteiro baseado nesse capítulo. Depois de um longo período de gestação, no qual vários profissionais se envolveram, o projeto finalmente saiu do papel. Drácula: A Última Viagem do Deméter (The Last Voyage of the Demeter, 2023) estreia hoje nos cinemas.
Devido à temática semelhante, Schut Jr. buscava criar uma atmosfera à Alien – O 8º Passageiro (1979). Ambos se passam em um ambiente restrito, onde uma equipe deve sobreviver a uma ameaça aterrorizante. A diferença seria no tipo de ameaça: enquanto o alienígena de Ridley Scott era um animal que respondia a seu instinto, o Conde Drácula deveria se alternar entre a forma humana sedutora, sempre com muito charme e inteligência, e a forma monstruosa, sedenta por sangue. No texto de Schut Jr., a primeira forma inexiste, dando a entender que o esperto vampiro seria apenas um monstrinho copiado do Gollum de O Senhor dos Anéis. E o filme se torna um jogo de mata mata – literalmente.
No início, somos apresentados à tripulação do Deméter, cada um fazendo um tipo bem estereotipado. Com a exceção dos três membros principais, eles são apenas figuras genéricas que servirão de alimento, podemos prever. O capitão (Liam Cunningham, de Game of Thrones), o imediato (David Dastmalchian, de Oppenheimer, 2023) e o doutor (Corey Hawkins, de A Tragédia de Macbeth, 2021) são os seres pensantes, os demais só reagem. E há uma moça misteriosa (Aisling Franciosi, de The Nightingale, 2018) cuja participação é um dos principais problemas do roteiro, que tem mais buracos que um queijo suíço.
É preciso reconhecer que A Última Viagem do Deméter tem seus méritos. A fotografia de Tom Stern (de Missão Resgate, 2021) cria momentos inspirados e cenas belíssimas, com tudo pontuado pela discreta trilha sonora de Bear McCreary (de séries como Foundation e Outlander). E a recriação da época, com o navio e todos os apetrechos necessários, é um ótimo trabalho do departamento de arte. No entanto, o diretor, André Øvredal (de A Autópsia, 2016), não consegue manter o suspense que volta e meia atinge e o filme se torna uma tediosa espera de quem morre antes.
É uma pena que, depois de tantos anos para ser realizado e de ter envolvido tanta gente, A Última Viagem do Deméter deixe o público com a sensação de alvo errado. Voo United 93 (2006) faz algo parecido, criando uma tensão enorme imaginando o que teria acontecido no avião desviado no fatídico 11 de setembro de 2001. Mesmo sabendo o final, ficamos apreensivos. Øvredal não é Paul Greengrass e não chega nem perto de criar uma obra interessante, satisfazendo-se com pequenos sustos. E o final sem pé nem cabeça é a cereja do bolo.
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