Depois de nos encantar com as mais diversas histórias, em muitos gêneros diferentes, Steven Spielberg (de Jogador Nº 1, 2018) resolveu voltar-se ao seu passado. Os Fabelmans (The Fabelmans, 2022) tem uma boa dose de autobiografia misturada com licenças poéticas. Quem conhece a vida do diretor consegue prever alguns pontos da história. Independente disso, é um longa delicioso de se assistir e, se de um lado homenageia os Spielbergs, do outro reverencia a própria paixão do diretor pelo Cinema.
Escrevendo um roteiro de um filme seu pela primeira vez em mais de 20 anos (desde Inteligência Artificial, 2001), Spielberg ainda topou contar com um co-autor, seu antigo colaborador Tony Kushner, já indicado ao Oscar duas vezes por filmes que fizeram juntos (Munique, 2005, e Lincoln, 2012). É curioso ter ajuda aqui, já que tratam-se das lembranças do cineasta enquanto crescia e lidava com as mudanças em sua família, ao mesmo tempo em que se dedicava a fazer filmes caseiros com os amigos.
Em Os Fabelmans, o protagonista chama-se Sammy (vivido pelo ótimo Gabriel LaBelle, de O Predador, 2018). Ele vive com os pais (Michelle Williams e Paul Dano) e logo a família cresce, com mais irmãs sendo acrescentadas. Desde cedo, cresce em Sammy o interesse por filmes e por filmar situações que ele mesmo encenava. Por mais que tentasse deixar tudo de lado, a necessidade de se envolver na produção de pequenos filmes caseiros falava mais alto. A relação com arte e a desenvoltura do jovem ator nos remetem a Quase Famosos (Almost Famous, 2000), uma comparação que é lisonjeira para ambas as produções.
Indicado e já vencedor em várias premiações, como nos Globos de Ouro (Melhor Filme – Drama e Melhor Diretor), Os Fabelmans tem grandes chances de arrebatar vários Oscars. Apesar de ser coadjuvante na história, Michelle Williams (de Venom, 2018) está sendo cotada como melhor atriz principal, e de fato faz um ótimo trabalho como uma mãe criativa, dedicada e incentivadora. Com Paul Dano (o Charada de The Batman, 2022) não é diferente, o personagem que é mais contido e, talvez, até mais difícil de ser criado, evitando-se estereótipos.
Seth Rogen, mais lembrado por comédias bobinhas, tem misturado bem seus trabalhos (como na recente série Pam & Tommy) e faz a sua parte aqui, como um amigo sempre presente da família. Uma ponta que chama bastante atenção é a de Judd Hirsch (de Jóias Brutas, 2019), como o tio Boris. Não seria de se surpreender uma indicação do veterano como coadjuvante. E as crianças do filme, em geral, são ótimas – com direito a uma sósia da Matilda (1996).
O risco que sempre corremos ao vermos um drama de Spielberg é termos que aguentar exageros de sentimentalismo, o que volta e meia ocorre. Não é o caso aqui, o diretor consegue segurar seus impulsos por arrancar lágrimas de seu público. O que não impede que isso aconteça de qualquer forma, mas de forma natural. O filme dá a impressão de ser um grande episódio da série Anos Incríveis (Wonder Years), se Kevin Arnold se interessasse por Cinema. Há carisma, simpatia, afeto e paixão, sem passar da conta.
Como parece ser a ordem do dia, Os Fabelmans dura longos 150 minutos. A boa notícia é que passam bem rápido, de forma agradável, auxiliados por uma ótima trilha sonora, assinada por ninguém menos que John Williams. Assim como o roteirista e o maestro, outro que sempre colabora com Spielberg é o diretor de fotografia Janusz Kaminski (de Amor, Sublime Amor, 2021, entre outros), que praticamente nos coloca nas pequenas cidades que ele filma.
Ao final da sessão, chorando ou não, o público terá vivido uma experiência fantástica, como só o Cinema nos proporciona. Spielberg é um mestre na arte de contar histórias com imagens em movimento e tira o melhor de todos os envolvidos. Até do carrancudo David Lynch, diretor que não costuma ser arroz de festa, mas topou fazer uma ponta como ator em Fabelmans. E vale muito a espera!
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