A grosso modo, existem dois tipos de adaptações de personagens de histórias em quadrinhos para a TV ou o cinema. Na mais popular delas, se transfere para as telas o personagem, mantendo suas características básicas, e se cria uma nova história com ele. A outra, e mais espinhosa, é quando se propõe a adaptar um arco específico de histórias dos quadrinhos para o cinema ou TV. Os 300 de Esparta, Watchmen, Capitão América: O Soldado Invernal e Capitão América: Guerra Civil são alguns exemplos que se encaixam aqui.
Quando a Netflix decidiu levar a aclamada criação do escritor inglês Neil Gaiman, The Sandman, para seu serviço de streaming, ela optou por ir pelo segundo caminho. Uma decisão arriscada, mas, ao mesmo tempo, acertada, no sentido de que é quase impossível dissociar o personagem principal das histórias que Gaiman criou para ele. Quem leu os quadrinhos sabe disso: tirar Sandman daquele ambiente e criar histórias originais é algo que poucos conseguem fazer com maestria.
Para os 10 episódios que compõem a primeira temporada de The Sandman, a Netflix se apegou aos dois primeiros arcos da HQ: Prelúdios e Noturnos e A Casa das Bonecas. Assim, introduzem o rei dos sonhos e sua família – bom, parte dela – a uma audiência bem mais abrangente do que aquela atendida pelo formato original. E é seguro dizer que, mesmo com diversas escolhas de roteiro e elenco motivadas mais para atender uma agenda do que por necessidade criativa, a Netflix se manteve fiel ao espírito do gibi e entregou um produto que superou as expectativas no sentido de respeitar o conceito original. Algo que alguns criadores atuais – cof, Zack Snyder, cof – costumam deixar em segundo plano.
Temos duas histórias básicas contadas nos dez primeiros episódios de The Sandman: a primeira delas mostra o que acontece quando o mago inglês Roderick Burgess (Charles Dance, de Game of Thrones – acima), sofrendo pela perda do filho na Primeira Guerra, traça um plano ambicioso: ele pretende capturar e prender a Morte, libertando-a apenas após ela lhe trazer de volta o filho morto. O ritual dá certo, mas apenas parcialmente: ao invés da Morte, Roderick captura o irmão dela, Sonho (Tom Sturridge, de Mary Shelley, 2017) e, mesmo ciente de seu erro, mantém um dos seres mais poderosos de toda a criação em seu porão. Após a sua morte, seu filho, Alex (vivido por três atores diferentes na série) mantém Sonho preso por décadas, até que seu parceiro – propositalmente ou não – causa uma rachadura na prisão do Perpétuo que lhe dá a oportunidade para sua fuga.
Sandman fica preso por sete décadas. Sua ausência não só causa problemas no Sonhar, seu reino, como no nosso. Pessoas que passaram décadas dormindo ou sem dormir foram os efeitos mais visíveis dessa ausência. O pior acontece no Sonhar, com o reino desabando e sonhos e pesadelos saindo de lá para viver em nossa realidade. Na ocasião de seu aprisionamento, inclusive, Sandman estava na Terra perseguindo o Coríntio (o excelente Boyd Holbrook, de Logan, 2017 – abaixo), um pesadelo que adora passar seus momentos no planeta cometendo assassinatos e arrancando os olhos de suas vítimas.
Ao ser libertado, então, Sandman tem duas tarefas: recuperar seus artefatos de poder – um capacete, um rubi e um pequeno saco de areia – e deter não só o Coríntio, como os demais pesadelos fugitivos. Ao completar essa tarefa, outra se apresenta: em sua ausência, apareceu um vórtex dos sonhos, uma entidade tão poderosa que pode causar não só o colapso do Sonhar como de toda a realidade. Caberá a Sonho, de alguma forma, detê-la.
Nos dez episódios principais e nos extras, lançados uma semana depois e que trazem dois contos adaptados, todo o material original foi tratado com bastante respeito. Não necessariamente se pode dizer que é uma adaptação fiel porque algumas mudanças foram feitas por motivos alheios ao fator criativo, enquanto outras foram necessárias. A personagem Johanna Constantine (Jena Coleman, de O Paraíso e a Serpente), por exemplo, ocupou nas telas o lugar de John Constantine devido a problemas relacionados aos direitos autorais do mago inglês. Essas mudanças, no entanto, não causaram problemas. A essência de Sandman – muito pela atuação contida de Sturridge e do comprometimento da equipe de roteiristas com o material fonte – foi mantida e, no final, é isso que importa. Principalmente quando esse material é de uma qualidade quase inquestionável.
Infelizmente, ainda não há uma confirmação de uma segunda temporada de The Sandman. A Netflix alega que a série é muito cara e os números de audiência teriam que ser absurdos para justificar o investimento. Esperemos, no entanto, que, em um futuro próximo, essa confirmação aconteça, já que tudo indica que Estação das Brumas, o ponto alto dos quadrinhos de Sandman, seria a base para a segunda temporada da série.
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