Thor chega ao quarto filme com Amor e Trovão

Foram necessárias quatro fases (quase completas) para que a Marvel terminasse de esgotar sua fórmula. Muita gente já se queixa há mais tempo, apontando supostos erros ou excessos do estúdio, ou até preguiça. Tudo isso é observado no novo Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, 2022), quarto longa do personagem que se mostra bem irregular e cujo roteiro comete o pior pecado que se pode esperar em um universo de fantasia: a conveniência.

Quando se estabelece as regras do jogo, é preciso segui-las. Invocá-las quando convém ao roteiro e ignorá-las quando necessário quebra qualquer possibilidade de engajamento do público. Poderes que só aparecem para dar andamento ao filme, nos momentos adequados, nos deixam pensando: por que ele não faz isso ou aquilo? Por que fulano está apanhando se poderia usar determinado poder?

Em Thor: Ragnarok (2017), o diretor Taika Waititi abraça o absurdo do Deus de Asgard com comédia e cores, fazendo um filme que mistura bem ação e humor. Agora, ele buscou uma dose de drama e tentou equilibrar tudo, e esse é um dos problemas. Se é bom que Waititi tente fazer uma obra enxuta, por outro lado ele se atropela em saídas fáceis, deixando subentendidas algumas respostas que seriam necessárias.

Quando Amor e Trovão começa, Thor (Chris Hemsworth) está viajando pelo universo com os Guardiões da Galáxia e já os considera a sua equipe, o que gera momentos engraçados com Peter “Starlord” Quill (Chris Pratt). Como uma espécie de coach intergaláctico, Thor frequentemente elogia o trabalho do time, sendo ele o atacante que joga sozinho. É chegada a hora de se encontrar e o vingador volta a viajar sozinho.

Paralelamente, somos apresentados a Gorr (Christian Bale, o Batman da trilogia Nolan – acima), um sujeito que segue firme em sua fé mesmo sofrendo horrores. Circunstâncias levam Gorr a ser tornar “O Carniceiro dos Deuses” e ele segue fazendo vítimas até encontrar o filho de Odin. Tudo muito chutado e acelerado, que rouba parte da impressão que o vilão deveria causar. Como uma espécie de Lex Luthor, Gorr só entrega o que esperamos quando maquina nas trevas. Quando parte para a porrada, é uma cena forçada atrás da outra.

Além do alívio cômico de Korg (voz de Waititi), temos ao lado do herói a ótima Valquíria (Tessa Thompson), que reina na Nova Asgard. E uma outra figura ressurge reforçando esse lado: a ex-namorada Jane Foster (Natalie Portman), agora transformada na Poderosa Thor. Pode-se usar como explicação o fato dela existir também nos quadrinhos, mas isso não reduz a estranheza que ela causa. Sua origem não é bem explicada e Portman é quem mais sofre no meio dos vários tons do filme, acertando mais no drama que na comédia ou na ação.

A comentada participação de Russell Crowe (de A Múmia, 2017), revelada no trailer, é um tanto caricata. Por ser um deus grego, Zeus tem um forte sotaque e é mais um a reforçar o humor, que acaba entornando. Ter uma espécie de congresso dos deuses para que eles possam relaxar é bem ridículo. A outra celebridade vencedora do Oscar do elenco, além de Portman e Crowe, faz bonito como o vilão, mas parece mal aproveitada, assim como foi com Cate Blachett anteriormente. Bale apaga um pouco das cores e faz um contraponto interessante, mas o roteiro não o ajuda. Nem vemos Gorr em ação contra os vários deuses que ele teria matado.

Hemsworth está sempre muito à vontade no papel, ele caiu muito bem para Thor. Mas o excesso de piadinhas, principalmente no que diz respeito à relação dele com os martelos, leva a crer que o ator estaria melhor ao lado de Will Ferrell em uma comédia pura e simples. E, talvez, esse também fosse um melhor uso para o talento de Waititi, que já demonstrou grande senso de humor e muita sensibilidade (como em Jojo Rabbit, 2019). Nem a trilha de Michael Giacchino, normalmente inspirada, acrescenta muita coisa, deixando o destaque para as músicas pop dos anos 80 (oi, Guns ‘n’ Roses!).

Seja por exaustão da fórmula, seja pelo número de produções saindo ao mesmo tempo (no Cinema e na TV), a Marvel já não é a mesma. Os efeitos especiais veem decaindo faz tempo, deixando tudo muito falso. E os roteiros acompanham, criando mitologias fracas em obras arrastadas (como no Cavaleiro da Lua). Pontas de celebridades não são novidade e não fazem mais barulho. E as duas cenas escondidas no final geram expectativas para os filmes seguintes, tirando ainda mais a força deste. A sensação que fica é de que o próximo sempre será melhor.

Russell Crowe traz os deuses gregos para a mistura

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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