Eight Days a Week traz outro retrato dos Beatles

Em 2016, bem antes de Peter Jackson lançar seu longo Get Back (2021), o diretor Ron Howard se debruçou sobre a história dos quatro rapazes de Liverpool e lançou Eight Days a Week: The Touring Years (2016), documentário que acompanha os Beatles da explosão em 1962, quando começaram a viajar o mundo, até o show de San Francisco, 1966, quando decidiram focar nos estúdios e levar as músicas mais longe. Essa decisão é facilmente compreensível ao final da sessão, como podemos ver também todo o caminho que eles percorreram.

Dar título para obras sobre os Beatles é sempre muito fácil: basta escolher a música mais relevante para o projeto. No caso desse documentário, Eight Days a Week, do disco For Sale, entra bem no meio da produção musical da banda e exemplifica um dos pontos principais enfocados: como as músicas se tornaram cada vez mais autobiográficas. Os quatro estavam cansados, trabalhando sem parar, se dividindo entre shows, viagens, sessões de fotos, gravações e apresentações na televisão. Pareciam estar trabalhando oito dias na semana.

No início da beatlemania, a dúvida era até quando aquela moda duraria. Ninguém, nem mesmo os quatro, tinha a menor ideia de que eles seguiriam juntos por muito tempo. A cumplicidade entre eles era enorme, mas sabiam que muitos cresceram antes deles, estagnaram e caíram. Por isso, não era questão de amizade ou familiaridade, eles tinham a cabeça no lugar e não se permitiam deslumbramentos. Ao contrário do que previam, a coisa foi crescendo ao ponto de eles não se ouvirem mais tocando em estádios enormes, para mais de 50 mil pessoas. A maioria delas gritando loucamente.

Se Get Back foca num período bem delimitado, numa longa sessão de gravação em 1969, Eight Days abrange mais tempo para tentar explicar o que foi o fenômeno Beatles. Mesmo para quem não gosta das músicas, serve como uma visão da época, e não se furta a mostrar o que acontecia no mundo naquele momento. E os Beatles deram uma grande contribuição, por exemplo, ao movimento dos Direitos Humanos, ao se recusarem a tocar em estádios segregados. “Tocamos para pessoas, e não para essas ou aquelas pessoas”, diz Ringo numa entrevista recente.

No início, os rocks movimentados apelavam facilmente ao público jovem, principalmente à parcela feminina, que sempre tinha um favorito entre os quatro. Com o tempo, as letras se tornaram mais densas, e a instrumentação, mais elaborada. Eles cresceram e passaram a querer coisas diferentes. Contando com vários depoimentos de famosos, como atores, músicos e até historiadores, entendemos o impacto da carreira dos Beatles nas vidas das pessoas. E podemos acompanhar também as mudanças pelas quais os quatro passaram, processo que levaria ao que vemos em Get Back. Um documentário praticamente serve como “primeira parte” para o outro.

Distribuído pelo streaming Hulu, Eight Days a Week é uma oportunidade para ver como o diretor Ron Howard se sai com documentários. Na ficção, sabemos que ele vai bruscamente de zero (Era Uma Vez Um Sonho, 2020) a dez (Apollo 13, 1995), ambos baseados em fatos. Com um Grammy e dois Emmys na bagagem, além de outras indicações a prêmios, o longa se mostrou bem-sucedido junto à crítica, com boas notas em sites agregadores, e tem também avaliações positivas de espectadores. Mais que retratar os Beatles, o filme faz o retrato de uma época.

Howard, o diretor, e os Beatles remanescentes, Ringo e Paul

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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