Em todas as profissões é possível achar maus profissionais, seja na vida real ou na ficção. Temos canalhas entre médicos, advogados, engenheiros, jornalistas… Até juiz ladrão, que fabrica sentenças! E quanto mais alto hierarquicamente é o cargo, maior a probabilidade de encontrarmos um sociopata. Por isso, não é de se surpreender que uma minissérie traga um psiquiatra que abuse do relacionamento com seus pacientes. Adaptação de um podcast de sucesso, O Psiquiatra ao Lado (The Shrink Next Door, 2021) está disponível na Apple TV+.
A primeira coisa que chama a atenção na produção é a dupla de protagonistas: repetindo a dobradinha dos dois O Âncora (Anchorman, 2004 e 2013), temos Will Ferrell e Paul Rudd. Ambos já provaram serem ótimos na comédia e no drama e, aqui, ficam numa linha tênue entre os gêneros, indo e voltando. Mas, apesar do humor presente, trata-se de uma história triste que escancara a fragilidade do indivíduo e a facilidade que é entrar em um relacionamento abusivo. E isso não acontece apenas com casais, é bem possível ter uma amizade tóxica.
O primeiro episódio dá uma amostra do futuro e volta quase trinta anos para mostrar o início da relação entre Martin Markowitz (Ferrell) e o Dr. Isaac Herschkopf (Rudd). É a irmã de Marty, Phyllis (Kathryn Hahn, de WandaVision e também de O Âncora), que sugere que ele procure um psiquiatra. Após a morte do pai, Marty se vê obrigado a tocar os negócios da família, mas por dentro ele ainda é uma criança que precisa de direção. A menor possibilidade de confronto faz com que ele tenha problemas estomacais e todos se sentem confortáveis ao abusarem dele.
O Dr. Ike, como seus pacientes o chamam, é um psiquiatra bem recomendado pelo boca a boca. Marty então começa seu tratamento e logo nota uma mudança benéfica em seu comportamento, se posicionando mais. Essa aparente força recém-construída faz com que ele confie cada vez mais no Dr. Ike e os dois se tornam muito próximos. A partir daí, acompanhamos uma situação mais comum do que imaginamos: uma personalidade se apaga, deixando a outra dominar. E trata-se de uma história real.
Criado, escrito e apresentado pelo jornalista e escritor Joe Nocera, o podcast chega à TV pelas mãos da premiada Georgia Pritchett, de séries como Veep, Succession e Run. Ferrell, quando bem guiado, é capaz de muita coisa, e se segura bastante para criar um personagem introspectivo. E Rudd consegue dar humanidade a um sujeito manipulador que engana a si mesmo ao posar como bonzinho, o marido ideal que ainda por cima colabora na sinagoga local. Esse é o retrato do cidadão de bem, alguém acima de qualquer suspeita que você gostaria de ter como vizinho, parente ou amigo. Quando você acordar e quiser retomar as rédeas da sua vida, pode ser tarde.
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