Bebendo como um Shelby

Peaky Blinders é uma série de televisão britânica exibida pelo canal BBC Two desde 2013, um conto épico de uma família gangster, os Shelby, ambientado em Birmingham, na Inglaterra, em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. É inspirada em eventos reais, na história de uma associação criminosa de Birmingham.

Criada por Steven Knight, a série conta até o momento com cinco temporadas de seis episódios cada, disponíveis na Netflix. A sexta temporada está sendo gravada e deve estrear em breve. A série já esteve no Pipoqueiro – clique aqui para ler a crítica e aqui para ouvir o Programa do Pipoqueiro com comentários e músicas da trilha.

Com um estilo visual fashionista, a série tem influenciado inclusive a forma de vestir das pessoas desde o início de sua exibição. Não é difícil encontrar, em uma busca por Peaky Blinders pela internet, artigos com repostas a perguntas como: “Como se vestir como um peaky blinder”, “Estilo dos Peaky Blinders”, “Cortes de cabelo dos Peaky Blinders” etc. O sucesso da série é tão grande que fez inclusive com que Birmingham batesse seu recorde de turismo em 2018, com números 26% superiores aos de quando a série estreou.

Neste contexto, porque não um “Bebendo como os Peaky Blinders”? Ou ainda, de maneira mais intimista, um “Bebendo como um Shelby”?

A série possui um pano de fundo perfeito para falarmos um pouco sobre a escola inglesa de cervejas, que teve importantes acontecimentos em anos que antecederam a série e que possivelmente estavam fervilhando e definindo as características das cervejas dessa escola justamente naquele período. Ainda relacionado ao tema, a série tem referências reais aos pubs de Birmingham, como o Garrison, onde ao longo da história vários pints de boas cervejas inglesas são servidos.

Ainda que durante praticamente todas as temporadas os membros da família Shelby passem boa parte do tempo bebendo, na maioria dos momentos eles consomem whisky (habitue-se ao “scotch or irish?”). No entanto, não é incomum ver os personagens bebendo cervejas no Garrison. Aqui começa a nossa missão de te explicar como beber como um Shelby.

A Inglaterra tem uma das principais escolas cervejeiras do mundo e o período histórico da série é bastante importante para as características que hoje marcam as cervejas dessa escola. Até meados do sec. XV, não se utilizava lúpulo para “temperar” as cervejas britânicas, mas ervas e condimentos locais. Essa mudança ajudou a estabelecer algumas das características das cervejas da escola inglesa. A invenção do tambor torrador, em 1817, também influenciou muito a produção das cervejas escuras, bastante icônicas nessa escola cervejeira.  As duas principais são as Porters e as Stouts.

O estilo Porter foi originado em Londres na primeira metade do século XVII. O nome está associado aos trabalhadores dos portos e das regiões litorâneas de Londres (os porters), que tinham o hábito de consumir esse estilo. Existem teorias de que inicialmente esta cerveja era feita através da mistura de cervejas mais leves com outras mais envelhecidas e, dada a sua popularidade, os cervejeiros passaram a produzi-la com uma receita própria, não sendo mais necessárias as misturas.

Na sequência da história, aparecem as Stout Porters, uma versão mais forte, encorpada e alcoólica da Porter, que em algum momento passam a ser chamadas apenas de Stout. Muitas receitas de Porters na época de fato eram idênticas às receitas de Stouts e a distinção não era tão evidente.

Ainda que boa parte das publicações da internet sejam bastante taxativas sobre a história destas duas cervejas, existe bastante imprecisão sobre desenvolvimento real desses dois estilos, sobre as características originais deles e até mesmo sobre as datas oficiais. Com o passar dos anos, surgiu a necessidade de se separar estes dois estilos porque eles começaram a se diferir muito. Hoje, existe uma definição sobre as características de cada estilo, mas é importante lembrar que existem muitos sub-estilos de Porters e Stouts, cada um com suas características únicas.

A Porter normalmente assume tons de castanho escuro, podendo conter notas avermelhadas, e é opaca. Pode ter notas de café torrado, mas nunca como uma Stout. Já as Stouts tendem a ser ligeiramente mais escuras, indo desde o castanho até o preto. Devem ter alguma parcela de café super torrado, mesmo que não seja muito intenso.

Tá…mas e daí? Como eu bebo como um Shelby?

Abaixo, seguem quatro indicações de belas cervejas para se sentir um sabor parecido com o que se bebia em Birminghan, e que podem ainda ser sentidos nos pubs ingleses. Em primeiro lugar, indico duas cervejas de uma ótima cervejaria inglesa, a Fuller´s, que são referências do estilo – que eu gosto bastante. Depois, duas das terras mineiras, mas que são ótimas expressões de sub-estilos das cervejas da escola inglesa.

FULLER’S LONDON PORTER– É uma releitura das cervejas originais do estilo Porter. Apresenta coloração marrom, rica em aromas e sabores do malte, com notas levemente tostadas de chocolate amargo e café.

ESTILO: Brown Porter

ABV: 5,4%

IBU: 37

EBC: 60

ORIGEM: Inglaterra

FABRICANTE: Fuller’s

FULLER’S BLACK CAB STOUT – É uma cerveja preta de perfil complexo, mas com boa drinkability e baixo teor alcoólico (4,5%), que ajuda a quebrar o estigma das cervejas escuras tidas pelos brasileiros como muito alcoólicas. Elaborada com maltes torrados, traz notas de café e chocolate amargo, como de café expresso. Seu corpo é médio e de final seco. Cerveja muito agradável.

ESTILO: Classic Irish-Style Dry Stout

ABV: 4,5%

IBU: 40

EBC: 172

ORIGEM: Inglaterra

FABRICANTE: Fuller’s

KÜD FEAR OF THE DARK EXTRA STOUTFear of the Dark é uma canção escrita por Steve Harris, baixista e compositor principal da banda britânica de heavy metal Iron Maiden, e faz parte do álbum homónimo de 1992. A música é homenageada nesse rótulo da cervejaria Kud. Ela é uma cerveja do estilo Foreign Extra Stout, que tem como característica principal ser extremamente escura e um pouco mais forte do que as Stouts tradicionais. A torra dos maltes utilizados na receita deixa sabores de café expresso e chocolate amargo bem presentes e mais intensos que as demais cervejas recomendadas aqui.

ESTILO: Export-Style Stout

ABV: 6,4%

IBU: 50

EBC: –

ORIGEM: Brasil

FABRICANTE: Cervejaria Kud

KRUG DRY STOUT -Essa cerveja tem um sabor de cereal torrado, como café expresso, e final bastante seco, com excelente balanço entre o amargor e a doçura. Assim como a Guiness (outra Stout icônica), essa cerveja leva nitrogênio na sua mistura de gaseificação, produzindo uma sensação macia e encorpada na boca. A sensação de boca aveludada e a excelente formação de espuma são conferidas também pelo uso de aveia na receita. Todos esses elementos levam a uma cerveja com textura bastante particular e muito interessante de ser experimentada. Vale a comparação com a Fuller´s Black Cab em relação principalmente à textura.

ESTILO: Classic Irish-Style Dry Stout

ABV: 4,4%

IBU: 30

EBC: –

ORIGEM: Brasil

FABRICANTE: Cervejaria Krug Bier

Agora, é se munir com estas cervejas, maratonar Peaky Blinders antes da estreia da próxima temporada e se sentir bebendo como um Shelby no Garrison!

Mas, se beber, lembrem-se: “No fuckin’ fighting!

Tommy Shelby já é um ícone cultural

Luciano Santos

Sommelier de Cervejas, cozinheiro profissional, aspirante a sommelier de cachaças e entusiasta dos vinhos e cafés! Cheers!

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