Conheça a Grateful Dead em Long Strange Trip

Em meados da década de 90, graças a uma coletânea de rock, descobri a banda Grateful Dead. A música era Casey Jones, tida como uma das mais acessíveis aos “não iniciados”. Ou seja: uma faixa mais comercial, curta, menos viajada. Não exatamente o usual, quando se trata deles. Uma série disponível no Amazon Prime Video tem a função de apresentar a trupe a novas gerações, indo muito além de uma narração cronológica. Ela de fato provê uma experiência próxima de uma vivência.

Retirado de um verso de Truckin’, o nome Long Strange Trip, já usado em um filme sobre o guitarrista Bob Weir, agora é usado numa série (2017) de quatro horas de duração, divididas em seis episódios que acompanham as mais de três décadas de existência da banda. Mais do que simplesmente enumerar fatos, a obra recria o clima das épocas visitadas, levando o público para dentro dos shows da banda. Ninguém menos que Martin Scorsese está entre os produtores executivos, além do filho do baterista Bill Kreutzmann, Justin Kreutzmann.

Nos primeiros episódios, conhecemos as figuras que formariam a Grateful Dead e algumas informações curiosas sobre a banda, como a explicação sobre o nome: a expressão (algo como “mortos agradecidos”) foi encontrada na sorte por um deles, Jerry Garcia, num dicionário, e remete aos espíritos que são gratos por terem tido um funeral apropriado. O título pensado originalmente, Warlocks, era usado por outra banda, que também pensou em outro e virou ninguém menos que a Velvet Underground.

Nem só de apresentações e curiosidades é formado Long Strange Trip. Pelo contrário. Ao cobrir um roteiro enxuto (sim, são quatro horas bem aproveitadas), o experiente documentarista Amir Bar-Lev alterna entrevistas atuais com imagens de época, compondo um quadro muito rico que dá uma ideia exata de como era a vida, os shows, os excessos, as perdas e os caminhos seguidos pelos membros. Aqueles ainda vivos dão depoimentos que completam lacunas e relembram os falecidos, como o mítico Ron “Pigpen” McKernan, integrante do chamado “clube dos 27”.

Os “dead heads”, como são chamados os fãs da banda, são um episódio à parte. Literalmente. Há um episódio dedicado a eles. Alguns iam a todos os shows pelos Estados Unidos afora. Outros, por não conseguirem comprar ingresso, ficavam do lado de fora e aproveitavam assim mesmo. A bagunça no entorno das apresentações se tornou impraticável e mostrava o vulto que os músicos tomaram no país. Apesar de não serem tão conhecidos fora (e aqui no Brasil), lá eles eram amados e seguidos como a uma seita, o que os integrantes rechaçavam.

Ainda que várias pessoas passem pela tela e seja muito interessante conhecê-las, Jerry Garcia acaba sendo o mais enfocado, não tem como escapar. Frequentemente indicado como o líder da Grateful Dead, ele corria dessa posição. Carismático como poucos e muito habilidoso nas letras, vocais e guitarras, ele era visto pela mídia como o principal deles e pelos fãs quase como um messias. Membro fundador, Garcia ficou até a sua morte, e os episódios finais da série ficam bem dramáticos exatamente por isso. A fama o mantinha prisioneiro em quartos de hotéis e as drogas, que inicialmente serviam para expandir a mente, passaram a ser uma válvula de escape.

Se é bom escutar um disco da Grateful Dead, um show é muito melhor. Cada um trazia uma sensação, um resultado. Por isso, os fãs se esforçavam para ir a vários deles. Bar-Lev nos leva o mais perto possível dessa experiência. A relação da banda com uma gravadora é mostrada, e não era das melhores. Eles se esmeravam mesmo era no contato com os fãs. E Long Strange Trip deve trazer vários novos. O diretor e sua equipe podem considerar a missão cumprida.

Garcia foi um dos grandes nomes da música norte-americana

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Este foi um ótimo artigo para ler. Fiquei surpreso ao descobrir. Sou um americano "Deadhead" amando em Belo Horizonte. não achava que houvesse fãs do Grateful Dead no Brasil. se alguém aí tiver a oportunidade de assistir, por favor, faça. é um documentário fantástico. foram muitos anos agicais e, acredite ou não, eles ainda estão jogando. ou eles estavam até a pandemia.

  • Excelente crítica. Para quem curte e gosta de entender o que foram os anos 1960/1970 para a música e o mundo daquela época, vale a pena conferir o documentário. Incluído em minha lista.

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