Ficção-científica faz um Upgrade no homem

É uma surpresa que Upgrade: Atualização (2018) tenha passado batido em seu lançamento. Não só tem uma trama criativa e interessante, mas tem Jason Blum na produção, cuja Blumhouse é responsável por grandes sucessos recentes, e é escrito e dirigido por Leigh Whannell, parceiro de James Wan em franquias como Jogos Mortais e Sobrenatural. Disponível na Rede Telecine, o filme pode ser conferido pelo público e ganhar a atenção que merece.

Descrito como uma espécie de combinação de Robocop e Desejo de Matar, o roteiro se passa em um futuro não muito distante, quando a tecnologia está bem mais desenvolvida e, mesmo assim, algumas pessoas preferem viver o mais analógicas possível. Uma dessas pessoas é o mecânico Grey (Logan Marshall-Green, de The Invitation, 2015), que vive de consertar carros antigos e sabe que logo não terá mais trabalho, já que os veículos estão sendo automatizados. A esposa, Asha (Melanie Vallejo, da série Winners & Losers), trabalha para uma grande empresa de tecnologia e, mesmo bem diferentes, os dois parecem dar muito certo.

Numa volta para a casa rotineira, o carro automático apresenta um defeito de funcionamento e capota, deixando o casal à mercê de assaltantes. Quando acorda no hospital, Grey se descobre viúvo e tetraplégico, não vendo nenhuma razão para continuar vivo. A saída aparece como um chip inventado por um gênio local que pode colocar Grey de pé novamente. E, como você pode imaginar, vingança é algo que logo toma a cabeça do mecânico.

Em meio a filmes que imaginam como seria ter humanos “melhorados” por tecnologia, como Lucy (2014) ou Transcendence (2014), Upgrade chega bem à frente. Primeiro, por partir de um ponto bem mais crível, com uma sociedade que parece o meio do caminho entre a nossa e a de clássicos como Blade Runner (1982). Os elementos que indicam os avanços podem ser grandes ou não, aparecendo pontualmente, o que situa bem sem precisar roubar a cena. E há uma discreta crítica social, que mostra que os benefícios da tecnologia atingem os ricos, deixando os mais pobres sempre à margem. Não é todo mundo que tem acesso e quem não tem trabalha para quem tem.

Sempre muito parecido com Tom Hardy, Marshall-Green é capaz de convencer na parte física e ainda dá credibilidade para os diálogos bem escritos de Whannell, se mostrando um ator completo. Os demais membros do elenco também são competentes, mas o show é do protagonista e do sistema STEM, dublado pelo australiano Simon Maiden (de A Vingança Está na Moda, 2015), o que confere à máquina o sotaque local. O visual é bem básico, mas funciona, deixando o filme focar no que importa: o bom desenvolvimento da história.

Com um orçamento bem menor que o do sucesso O Homem Invisível (The Invisible Man, 2020), seu trabalho seguinte, o diretor e roteirista prova que é capaz de voos solo, sem o amigo Wan (homenageado no interfone do prédio). Inteligente como a ficção-científica deve ser, dosando bem a violência e o humor, Upgrade é uma experiência divertida e satisfatória. Whannell já está acertado na direção do aguardado Lobisomem, mais um monstro da Universal a ganhar uma nova versão. Depois do fracasso de A Múmia (The Mummy, 2017), o estúdio deve estar muito agradecido a ele, que deu nova chance a esse possível Universo Cinematográfico do terror.

Mal sabiam eles o que os esperava (como a gente em janeiro)

Sobre Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.
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