Tom Hanks emociona como o vizinho Mr. Rogers

por Marcelo Seabra

Muito conhecido nos Estados Unidos, Fred Rogers tinha um programa na televisão voltado para crianças. Ao invés de brincadeiras e competições, ele promovia discussões sobre temas importantes que normalmente não eram levados ao público mais jovem – e, por isso mesmo, marcou muita gente. Um Lindo Dia na Vizinhança (A Beautiful Day in the Neighborhood, 2019) nos leva a esse universo e apresenta um pouco do que Mr. Rogers era em frente e também atrás das câmeras. Basicamente: o mesmo cara legal.

Para nos levar junto nessa jornada, temos Lloyd Vogel (Matthew Rhys, de The Post, 2017, e da série The Americans), um jornalista premiado conhecido e temido pelos textos densos que geralmente expunham os pecados dos envolvidos nas matérias. Ninguém queria ser alvo de um perfil escrito por Vogel, mas Rogers não viu problema. A partir dessa missão, os dois se conhecem e, ao contrário do que esperamos, é Vogel quem vai revelar seus traumas e medos. O personagem é inspirado em Tom Junod, jornalista da revista Esquire que teve sua forma de ver a vida mudada após o encontro com Fred Rogers.

Para viver a personalidade da TV, foi escolhida uma das maiores personalidades do Cinema: o premiado e querido Tom Hanks (também de The Post). Em meio a tantos escândalos na indústria, Hanks mantém sua imagem de bom moço e essa aura imaculada ajuda a criar Rogers, um sujeito que parecia alheio a todo o cinismo e maldade que o cercavam, mas nem por isso ingênuo ou apalermado. Parece ser simplesmente uma escolha de vida: buscar o otimismo e ver o melhor nas pessoas. Mesmo naquelas que já te deixaram na mão.

O roteiro, escrito por Noah Harpster e Micah Fitzerman-Blue (ambos de Malévola: Dona do Mal, 2019), evita sentimentalismos baratos e armadilhas comuns nesse tipo de jornada, quando uma pessoa calejada pela vida começa a ver as coisas de forma mais positiva. Olhando por esse lado, Rogers é um antagonista, já que faz um contraponto a Vogel, levando-o a pensar fora da caixa à qual ele estava acostumado. O próprio Tom Junod atestou isso em entrevistas. O que vemos no filme é ficção, mas a moral da história é a mesma.

É fato que Hanks alcançou um patamar em que é prazeroso até vê-lo lendo a lista telefônica. Ele acaba ficando em segundo plano, já que o filme foca mais em Vogel e sua tarefa, e lamentamos que ele não tenha tanto tempo em cena. Mas Rhys, mesmo que um pouco apagado frente a um gigante, consegue evitar estereótipos e criar uma figura interessante. Os demais coadjuvantes completam um belo quadro. O destaque é Chris Cooper (acima, de Adoráveis Mulheres, 2019), outro ator excelente a quem cabe um papel rico: um pai que errou muito e busca redenção.

Com tanta dor precisando ser curada, seria muito fácil escorregar para o dramalhão. A diretora Marielle Heller (de Poderia Me Perdoar?, 2018) faz um ótimo trabalho mantendo o tom do filme, com momentos engraçados e até contemplativos. Se a sequência de sonho tira o espectador do longa e atrapalha a experiência, outras vão tirar lágrimas facilmente e fazer pensar. As colocações do Mr. Rogers de Hanks vão levar o público a refletir sobre suas vidas e, quem sabe, deixar um sorriso no rosto de cada.

A caracterização ficou ótima

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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