Jojo Rabbit leva a comédia à guerra

por Marcelo Seabra

Para seguir o nazismo, precisaria ser alguém bem maligno, você pode pensar. Mas sabemos que nazistas não têm chifres ou rabos pontudos – basta ir a qualquer lugar bem movimentado e olhar para os lados. Eles se parecem fisicamente com você. E, também como você, nasceram crianças. A comédia frequentemente é usada para críticas poderosas e é isso que temos em Jojo Rabbit (2019). É através dos olhos de um garotinho de 10 anos que vemos o horror do regime que levou a humanidade à Segunda Grande Guerra.

Ao contrário de A Vida É Bela (La Vita È Bela, 1997), aqui temos o menino totalmente inserido no contexto da guerra. E o diretor e roteirista Taika Waititi (de Thor: Ragnarok, 2017) não ridiculariza Hitler (como Chaplin fez em O Grande Ditador, 1940) ou seus seguidores (como Mel Brooks em Primavera para Hitler, 1967). Ele os mostra como seres humanos que fazem coisas monstruosas e não pensam duas vezes antes de seguirem um pensamento raso e mal construído. Fazia sentido para eles, no contexto em que viviam, e poucos viram necessidade de irem contra. Por isso, chegaram onde chegaram.

Johannes “Jojo” Betzler (Roman Griffin Davis) cresce em meio à ascensão nazista e é levado pelo sentimento nacionalista que vê em vizinhos, amigos e parentes. Como deve ter acontecido com milhares de alemães. A diferença é que Jojo tem uma mãe (Scarlett Johansson, de História de um Casamento, 2019) que discretamente ousa ser diferente. Sabemos que nem todos os alemães aderiram, o que não é preciso para que um grupo chegue ao poder. Como muitos jovens impressionáveis, Jojo admira Hitler, mas não é pouco! É a ponto de vê-lo como um amigo imaginário (vivido pelo próprio Waititi). A escolha de colocar uma criança como protagonista é muito acertada, conseguimos ter empatia com ele mesmo sendo o seu pensamento tão torpe. E Davis é uma ótima descoberta.

Grandes diretores, como Spielberg (de 1941: Uma Guerra Muito Louca, 1979), já derraparam ao fazerem comédia com uma guerra. Waititi, partindo do livro de Christine Leunens, demonstra uma sensibilidade ímpar ao tratar as situações que envolvem Jojo, não o poupando, mas mostrando como foi possível para ele aprender com tudo aquilo. Os demais personagens nazistas são um tanto exagerados, mas não podemos afirmar que a realidade não fosse próxima disso. O clima de fábula não impede que o roteiro aponte os absurdos perpetrados pelos seguidores do ditador, algo que um longa pesado como Filhos da Guerra (Europa Europa, 1990) fez bem, mas de outra forma.

Com boas atuações de um elenco que inclui Sam Rockwell, Rebel Wilson, Alfie Allen, Stephen Merchant e Thomasin McKenzie, Waititi mostra ser capaz de conduzir produções menores também, sem um orçamento como os dos estúdios Marvel. A recriação da época é bem interessante, nos levando para o período e nos fazendo pensar. Se queremos afastar a besta, não podemos permitir que alguém a alimente. É responsabilidade de todos. Principalmente de quem é responsável por jovens como Jojo, que representam o nosso futuro.

Taika Waititi manda seu recado a Hitler e seguidores

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • "Para seguir o nazismo, precisaria ser alguém bem maligno, você pode pensar. Mas sabemos que nazistas não têm chifres ou rabos pontudos – basta ir a qualquer lugar bem movimentado e olhar para os lados. Eles se parecem fisicamente com você. E, também como você, nasceram crianças."

    GENIAL!

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