Olhos Que Condenam é indignação certa

por Marcelo Seabra

Produção original Netflix, Olhos Que Condenam (When They See Us, 2019) conta, em quatro episódios de mais ou menos uma hora, a história dos Cinco do Central Park (acima). Assim ficaram conhecidos os cinco garotos que foram presos e acusados do estupro e espancamento de uma corredora no Central Park em 1989. A moça ficou em coma por 12 dias e teve sequelas sérias, como dificuldade de andar e amnésia do dia fatídico. A polícia correu para esclarecer o caso e a forma como isso foi feito é abordada na obra.

Famosa pela resolução do caso e condenação dos acusados, a Promotora Linda Fairstein (abaixo) seguiu uma longa carreira que acabou terminando ao se tornar uma premiada escritora de suspenses policiais. Hoje, é vista como a principal causadora da injustiça que manteve os cinco presos, já que foi a pessoa que os transformou de possíveis testemunhas do crime em criminosos, vendendo uma ideia que não tinha qualquer tipo de suporte. Não havia provas materiais, nada que corroborasse o caso. A não ser a confissão de meninos de 15 e 16 anos, assustados e famintos, que posteriormente afirmaram terem sido coagidos.

Fairstein sustentou a hipótese e, como vemos na série, em momento algum teve dúvidas da culpa dos jovens. A necessidade de dar logo uma resolução a um caso que acabou tomando grandes proporções, chamando a atenção da mídia, misturou-se à vaidade da promotora, que gostava de estar debaixo dos holofotes. No papel, Felicity Huffman (de Cake, 2014) mais uma vez mostra o tamanho de seu talento, proporcional à indignação que causa no público. Outra que tem efeito parecido é Vera Farmiga (de Godzilla 2, 2019), na pele da outra promotora do caso, Elizabeth Lederer.

Tanto na primeira fase (abaixo) quanto quando adultos, os intérpretes dos cinco acusados foram muito bem escolhidos. Temos desde o mais experiente Jovan Adepo (de Operação Overlord, 2018) ao novato Asante Blackk, e o elenco ainda conta com mais nomes conhecidos. John Leguizamo, Michael Kenneth Williams, Joshua Jackson, Famke Janssen, William Sadler, Blair Underwood e Logan Marshall-Green são alguns dos rostos facilmente reconhecíveis. Entre os produtores, temos Robert De Niro e Oprah Winfrey, para ficar nos mais famosos.

À frente da atração, Ava DuVernay (de Selma, 2014) reforça seu poder de levar luz a fatos históricos importantes tirando deles a sensação de serem algo distante. Os envolvidos são gente como a gente, em grande parte minorias que sofrem preconceito no dia a dia e precisam se esforçar para continuarem lutando. É fácil perceber na obra da diretora, roteirista e produtora o lado humano, as relações familiares e os laços de amizade. DuVernay demonstra grande sensibilidade para tratar questões importantes de frente, sem apelar a sentimentalismos e sem esvaziar temas profundos. Seus trabalhos invariavelmente levam a reflexões necessárias e sempre atuais, mesmo narrando acontecimentos de trinta anos atrás.

A situação dos cinco é tão atual que uma das figuras que frequentemente aparecem no vídeo é ninguém menos que o presidente dos Estados Unidos. Na época conhecido como um magnata excêntrico e dado a opiniões polêmicas, para não dizer burras, Donald Trump foi à televisão pedir a volta da pena de morte. A campanha envolveu anúncios pagos em revistas e jornais, nos quais ele gastou uma fortuna. Muitos americanos podem ter sido influenciados por esse mau-caratismo, e essa pressão sobre a mídia certamente teve papel importante no resultado dos julgamentos. Em 2016, com o caso mais do que esclarecido, Trump seguiu contando suas mentiras, fingindo não ver que apoia uma injustiça. E foi eleito presidente de uma das principais potências do mundo.

Não foi à toa que Einstein disse que apenas duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana – e do universo ele ainda não tinha certeza. Juntando a estupidez a outros pontos fracos da personalidade do ser humano, como preconceito, orgulho e vaidade, temos os causadores de muitas catástrofes históricas. Olhos Que Condenam trata de um desses episódios. Se você é do tipo que se envolve muito com o que assiste e fica se sentindo mal, cuidado. Mas de nada adianta se sensibilizar com uma série e seguir com piadinhas racistas no dia a dia, apoiando esse tipo de discurso.

A multidão se dividiu entre acusadores e defensores

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Seu texto foi ótimo, mas na hora em que você disse: "Se você é do tipo que se envolve muito com o que assiste e fica se sentindo mal, cuidado. Mas de nada adianta se sensibilizar com uma série e seguir com piadinhas racistas no dia a dia, apoiando esse tipo de discurso." Foi melhor ainda. Parabéns!!!!

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