Meu Eterno Talvez é a diversão bobinha da vez

por Arthur Abu

Depois de tantas inconstâncias nas produções originais Netflix, comentar em voz alta que irá assistir a um de seus filmes é similar a pedir um canudinho de plástico em uma lanchonete: tem uma boa chance de receber olhares reprobatórios até de quem não conhece. E não é pra menos, já que pra cada acerto do serviço de streaming, estreiam três outros que não valem a pena nem assistir ao trailer. A comédia romântica Meu Eterno Talvez (Always Be My Maybe, 2019) chega sem muito alvoroço, mas pode agradar quem espera ansiosamente o fim de semana apenas para assistir a algo divertido e sem muito compromisso.

A história é centrada no relacionamento de Sasha (Ali Wong, de American Housewife) e Marcus (Randall Park, de Aquaman, 2018), vizinhos de porta na bela São Francisco. Os pais de Sasha são muito ausentes, praticamente abandonando-a em casa o dia todo. Ela se refugia na família de Marcus, junto a seu bem-humorado pai, Harry (James Saito), e a mãe, Judy (Susan Park), uma cozinheira de mão cheia. Os dois jovens se mantêm melhores amigos por anos, até que após a morte da mãe de Marcus, Sasha o beija e os dois acabam fazendo sexo pela primeira vez. A experiência evidentemente desconfortável no banco de trás de um Corolla Toyota e o sentimento de perda levam os dois a uma discussão, quando Marcus afasta Sasha de sua vida.

Dezesseis anos se passam sem se falarem, vivendo vidas bem distantes um do outro. Sasha, uma chef celebridade residente em Nova York, volta temporariamente a São Francisco para abrir um novo restaurante. Com a ajuda de Veronica (Michelle Buteau), uma amiga em comum de ambos, ela reencontra Marcus, que continua morando com o pai e cantando com sua banda de colégio, sem perspectiva ou ambição de sucesso. Apesar do rancor, diferenças socioeconômicas e de estarem em relacionamentos com pessoas diferentes, eles tentam uma aproximação que no começo parece bem forçada, mas que aos poucos os faz lembrar porque já foram tão próximos.

O roteiro, assinado pelos protagonistas, Wong e Park (que também são amigos de longa data na vida real), e por Michael Golamco (de Grimm) segue a linha das comédias românticas da década de noventa. Wong disse certa vez que queria fazer a sua versão de Harry e Sally – Feitos um Para o Outro (When Harry Met Sally…, 1989). As piadas são leves e flertam com alguns estereótipos – vale mencionar que os três roteiristas e a diretora são descendentes diretos de imigrantes asiáticos. A direção da estreante Nahnatchka Khan mantém o filme em um ritmo fácil de levar, mas sem arriscar muito. Ponto para a fotografia, que tira proveito das paisagens de São Francisco.

 A Netflix parece não ter confiado na história ou no carisma de Wong para chamar os espectadores, pois precisou de um ás na manga. Keanu Reeves (de John Wick) faz uma participação nada discreta, seu rosto aparece em qualquer pesquisa que se faça sobre o filme e o trailer já entrega o que poderia ser usado como uma surpresa. A presença de Reeves cria uma contradição, pois o filme parece querer dar peso e relevância a um elenco majoritariamente asiático, sem a ajuda de uma estrela hollywoodiana já conhecida. Fica a impressão de que as intenções iniciais eram ousadas, mas no fim mudaram de ideia e decidiram pegar emprestado um pouco do brilho do Neo de The Matrix. Vale mencionar outra obra que fez o mesmo por não confiar em um elenco predominantemente asiático: o malsucedido 47 Ronins (2013), também com Reeves. Coincidência, não?

Ali Wong é uma comediante e roteirista talentosa. No portfólio da Netflix, encontramos seus dois especiais de stand up, que são muito bons, nos quais ela brinca com sua cultura asiática, feminismo, sexo, seu casamento e vários outros assuntos, sem tabu ou papas na língua. Faltou um pouco disso em Meu Eterno Talvez, essa irreverência teria apimentado mais essa obra que ficou com medo de ser algo além de uma comédia romântica divertidinha.

Os amigos se divertiram divulgando o longa

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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