Costner e Harrelson caçam Bonnie e Clyde

por Marcelo Seabra

No início de 1934, Bonnie Parker e Clyde Barrow eram um casal procurado em vários estados norte-americanos por assaltos e assassinatos. Há quem diga que foram injustiçados e se revoltaram, cometendo crimes estrada afora como Robin Hoods modernos. Mas há também quem afirme que tratava-se de criminosos da pior espécie, não merecendo qualquer piedade. Uma história como essas teria que chamar a atenção do Cinema.

Em 1967, Arthur Penn criou um clássico que até hoje faz escola: Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas. Com os memoráveis Faye Dunaway e Warren Beatty (abaixo) nos papéis principais, o filme elevou a carga de violência dos padrões de então e marcou com suas perseguições de carros. No entanto, fora a excelência cinematográfica, teve quem questionasse a romantização dos fora-da-lei. Agora, um novo filme pode ser visto como o outro lado: Estrada Sem Lei (The Highwaymen, 2019). E comete exatamente esse pecado: a romantização de um lado.

Em seu trabalho, Penn buscou mesclar o glamour com que a dupla era vista pelos moradores das cidades por onde passavam com a crueza de uma bala entrando na carne e a ferindo seriamente, com sangue jorrando. Se a visão que se tinha era de dois anti-heróis jovens e bonitos escapando das autoridades, na realidade eles eram dois fugitivos que não tinham sossego e pulavam de esconderijo em esconderijo, com um pequeno escorregão significando sua queda.

A nova produção da Netflix inverte os lados: os protagonistas, dessa vez, são os caçadores. Os Texas Rangers, espécie de xerifes das estradas, tinham sido debandados e não mais existiam, por serem difíceis de serem controlados. Frank Hamer era um dos mais famosos, de muitas habilidades e praticamente infalível. Já após os 50 anos, que antigamente pesavam bem mais do que hoje, Hamer é convidado a sair de sua aposentadoria, deixar a esposa rica em casa e sair entre as cidades atrás do famoso casal. Para a missão, ele convoca um antigo companheiro, Maney Gault.

Nos papéis de Hamer e Gault, temos dois atores irretocáveis: Kevin Costner (de Estrelas Além do Tempo, 2016) e Woody Harrelson (de Han Solo, 2018). É bem verdade que eles são capazes de cumprir a tarefa amarrados e vendados, mas isso não tira nada do mérito deles. Costner, inclusive, já contribuiu muito com o gênero faroeste, com filmes como Dança com Lobos (Dances With Wolves, 1990) e Wyatt Earp (1994), além de incontáveis policiais, como Os Intocáveis (The Untouchables, 1987), para ficar nos exemplos mais famosos.

O problema do roteiro de Estrada Sem Lei é se propor a ser um contraponto ao clássico de 67 e, por isso, não ter uma alma própria. Em tempos de regimes totalitários e violência policial crescente, não é nada interessante ter um filme que exalte figuras que aceitam que precisarão matar para resolver a questão. Dá a impressão de que, por mais que a sociedade queira fazer a coisa certa, é preciso ter à mão quem faça a coisa errada. OK, eles sentem um peso nas costas. Mas, ainda sim, estão prontos a fazerem tudo de novo. Bonnie e Clyde eram violentos sim, e talvez a força fosse necessária. Mas, com um plano bem bolado e um número superior de oficiais, talvez não fosse preciso se equiparar ao casal apelando para o massacre como primeira opção.

Apesar da experiência e de trabalhos como A Encruzilhada (Crossroads, 1987) e Os Jovens Pistoleiros (Young Guns, 1988), seus primeiros, o roteirista John Fusco assina bobagens como A Cabana (The Shack, 2017) e é esse lado que fica evidente em certas passagens dessa nova obra. O clichê que rege a relação entre os personagens principais, com o chefe bruto e calado e o colega mais leve e falastrão, é o problema inicial. John Lee Hancock, que comandou outra adaptação de um momento importante da história de seu país, O Álamo (The Alamo, 2004), não demonstra nada próximo do brilhantismo de Penn, o que reforça a sombra sobre seu filme.

Apesar dos problemas, Estrada Sem Lei tem seus méritos e diverte. A bela fotografia contemplativa de John Schwartzman (de Um Pequeno Favor, 2018) tem seus momentos, pontuada pela trilha discreta de Thomas Newman (de Spectre, 2015). A montagem poderia ser mais enxuta, Robert Frazen parece mais acostumado a filmes com pouca ação, como Fome de Poder (The Founder, 2016), também de Hancock. Mas, além de Costner e Harrelson, temos participações menores de Kathy Bates (de Feud), John Carroll Lynch (também de Fome de Poder) e William Sadler (de O Duelo, 2016), gente sempre interessante de acompanhar.

Kathy Bates, mesmo com pouco tempo de cena, é muito boa

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • "não é nada interessante ter um filme que exalte figuras que aceitam que precisarão matar para resolver a questão". É um filme biográfico! Queria que fizessem um filme onde prenderiam o casal de bandidos? Tinham mais é que caçar os dois, afinal, ambos eram cruéis, tendo matado mais de uma dezena de policiais e pessoas inocentes! Ontem, e hoje...bandido assassino, bom é morto!

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