por Marcelo Seabra
Conhecido por fazer filmes tidos como estranhos, o grego Yorgos Lanthimos ataca novamente, e desta vez com uma obra mais acessível. Apesar de manter algumas de suas características muito próprias, A Favorita (The Favourite, 2018) é mais convencional, contando uma história próxima de nossa realidade. Muito próxima, aliás, por tratar da natureza do ser humano, que por seu senso de sobrevivência é capaz de muita coisa.
Para ficar nos dois exemplos mais recentes, o diretor nos entregou O Lagosta (The Lobster, 2015), sobre um sujeito que deve encontrar seu par ou vai virar um animal, e O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017), sobre uma maldição que recai sobre uma família. Ambos, estrelados por Colin Farrell. Agora, Lanthimos deu folga ao ator e convocou um ótimo trio feminino. À frente, Olivia Colman, estrela da quarta temporada de The Crown, dá um show como a Rainha Anne, uma soberana cheia de vontades e facilmente manipulável.
Quase tão boas quanto Colman estão Rachel Weisz e Emma Stone. Weisz (também de O Lagosta, como Colman) vive a Lady Sarah, Duquesa de Marlborough, uma amiga da rainha que se aproveita dessa proximidade para tomar várias decisões estratégicas por ela. Anne está sempre doente, ou ao menos fazendo manha, um prato cheio para a personalidade forte de Sarah se impor. No meio da relação das duas entra Abigail (Stone, de La La Land, 2016), uma serviçal de origem nobre que precisa recomeçar de baixo e mais do que depressa procura cair nas graças da rainha.
O embate entre Sarah e Abigail é certo e a nós, meros espectadores, cabe apenas pegar a pipoca e assistir. O duelo, de ações e diálogos, é bem afiado e prazeroso de se acompanhar. Entre os nomes principais do elenco há ainda que se destacar o de Nicholas Hoult (o jovem Fera dos X-Men), que vive um personagem que escancara os métodos nada ortodoxos que a nobreza usava para descobrir o que queria e tirar vantagem. Nada diferente do que congressos e senados fazem hoje.
A recriação do século XVIII é fantástica, com cenários e figurinos fiéis nos mínimos detalhes. A fotografia de Robbie Ryan (de Os Meyerowitz, 2017) explora bem os arredores do palácio, com tomadas amplas e outras, criativas, como a que coloca o público num olho mágico xeretando as intrigas palacianas. A montagem enxuta de Yorgos Mavropsaridis (parceiro habitual de Lanthimos) evita qualquer possibilidade de cansaço. A equipe de som escolheu a dedo algumas faixas eruditas, com Bach, Schubert e Vivaldi, entre outros, que ressaltam os climas criados pela trama.
Com a crescente valorização da mulher na indústria cinematográfica, Lanthimos considera positiva o que considera “sua pequena contribuição”, trazendo três personagens femininas fortes. O também celebrado roteiro, escrito por Deborah Davis e revisado por Tony McNamara, cria várias situações partindo do que se sabe da época, nunca se pretendendo ser uma aula de História. Na verdade, é uma aula de intriga, inveja e traição, e a atualidade desses temas é assustadora!
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