Documentário apresenta o psicopata Ted Bundy

por Marcelo Seabra

Em 1972, em muitos dos Estados Unidos da América, era comum deixar portas destrancadas, carros abertos, andar pelas ruas no escuro… Era uma vida tranquila. Cenário propício para alguém mal-intencionado. Por mais que pudessem já ter existido, serial killers dificilmente tinham sido noticiados, observados, nomeados. É então que garotas num padrão muito parecido começam a desaparecer. Anos depois, o mundo conheceu o nome Ted Bundy.

Chegou recentemente à Netflix a série documental Conversations with a Killer: The Ted Bundy Tapes (2019), aproximadamente quatro horas de uma montagem muito bem-feita de depoimentos e gravações de época destrinchando a vida de um dos piores assassinos, sequestradores, estupradores e necrófilos do país. Dividida em quatro episódios, a obra reconta os passos dele e, de quebra, dá um panorama de como era a vida, em vários aspectos, nos anos 70. O roteiro é baseado no livro dos jornalistas Stephen G. Michaud e Hugh Aynesworth, ambos produtores da série.

Bundy entrou para a história como um sujeito genial, carismático e extremamente perigoso. Se a série comete um grande pecado é ajudar a eternizar esse mito. Se dois desses adjetivos podiam sim ser atribuídos a ele, genial não poderia estar mais longe. Como fica claro ao final da exibição, ele cometeu diversos erros, deixou trocentas pistas e por várias vezes se encrencou por ser narcisista ao extremo. Seu rastro apenas não foi seguido a tempo de evitar alguns de seus crimes pela falta de comunicação entre as polícias estaduais, algo impensável com a tecnologia de hoje.

Na realidade, Bundy era um indivíduo frustrado que esperava ser alguém muito importante algum dia, até quem sabe o presidente de sua nação. Nunca chegou a lugar nenhum, não conseguindo nem mesmo se formar advogado. Possivelmente em 1972, começou sua carreira como psicopata, e só em 1974 foram perceber um modus operandi e ligar os pontos. Mas ele ainda agiu livremente por um bom tempo, entrando e saindo de casas e abordando jovens em locais públicos, como becos e parques ambientais.

Descrito como alguém bonito e bem articulado, ele se aproximava facilmente e era bem recebido em grupos. Quando trabalhou em uma campanha política e ao buscar apoio na religião, foi bem recebido. A discussão de hoje a respeito de privilégios de homens brancos explica muita coisa. Ninguém suspeitava de Bundy, e negaram veementemente quando as primeiras acusações começaram a aparecer. As namoradas que teve se diziam bem tratadas. Todas as aparências conspiravam a favor. “Ele podia ser arrogante, mas não violento”, diziam.

Enquanto acompanhamos os desdobramentos da queda de Bundy, descobrimos como era feito o trabalho jornalístico na época, com vários recortes de jornais e matérias da televisão. Além disso, o trabalho policial pré-internet, mal mal com um aparelho de fax, tornava tudo mais difícil. Bundy conseguiu esconder sua identidade quando foi preso, em uma ocasião, e assim ficou por dias. Os garotos de hoje devem rir ao ouvir algo assim, totalmente fora da realidade deles. Basta tirar uma foto com o celular e enviar. Mas em idos da década de 70…

Com muitos documentários no currículo, a maioria de cunho investigativo, Joe Berlinger (diretor da elogiada trilogia Paradise Lost) assina este The Ted Bundy Tapes. A incursão dele no mundo da ficção nos deu a sequência de Bruxa de Blair: O Livro das Sombras (2000). Apesar de ter pontos interessantes, o longa foi execrado por crítica e público (confira no Rotten Tomatoes), o que deve ter feito Berlinger preferir ficar em terreno seguro, a não-ficção. Apenas 19 anos depois, ele volta a atacar nessa área com Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile, recontando a história de Bundy com Zac Efron no papel. Vamos ver em qual ele se sai melhor.

A dúvida sobre a inocência de Bundy pairou por muito tempo

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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