por Marcelo Seabra
Um dos destaques da temporada de premiações, Green Book: O Guia (2018) já está em cartaz no país. Com cinco indicações ao Oscar e quatro ao BAFTA, além de já ter na sacola três Globos de Ouro e prêmios dos sindicatos, entre outros, o longa traz uma história no formato que agrada a todo mundo: uma amizade improvável que se forma tendo o racismo como pano de fundo. Isso, sustentado por duas grandes atuações.
O ano é 1962 e o leão de chácara Tony “Lip” Vallelonga (Viggo Mortensen, da trilogia O Senhor dos Anéis) precisa arrumar outra ocupação, já que o clube onde trabalha passará por uma reforma de dois meses. Cheio de contatos, ele fica sabendo que um doutor está precisando de motorista pelo mesmo período e vai à entrevista. Lá, ele descobre que o cliente, na verdade, é o Dr. Donald Shirley (Mahershala Ali, Oscar por Moonlight, 2016), um famoso pianista negro que pretende excursionar pelo sul dos Estados Unidos.
Filmes retratando amizades formadas aos trancos não faltam, das mais estranhas (como em Inimigo Meu, de 1985) às complicadas por questões de raça (como em Conduzindo Miss Daisy, 1989, ou o mais recente Histórias Cruzadas, 2011). E filmes que abordam a estupidez e a inconsistência do racismo também abundam: esse ano, mesmo, temos Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman), que trata o assunto de forma bem mais incisiva. “Se os temas abordados por Green Book não são inéditos ou inovadores, por que tanta atenção?”, você deve estar se perguntando.
A resposta se resume a dois nomes: Mortensen e Ali. A qualidade do trabalho e a química desenvolvida entre eles é o grande diferencial do projeto. Mortensen não é exatamente o ator mais óbvio para viver um tipo ítalo-americano, como seria um De Niro ou um Pacino, mas resolve bem a questão com sotaque e maneirismos bem calculados. Ali consegue fugir um pouco de seus recursos habituais (como aquela risada forte), tornando seu personagem uma figura metódica e misteriosa. Comparando com os verdadeiros (abaixo), nenhum dos dois atores seria a melhor opção fisicamente, e a escolha arriscada se mostra acertada.
A direção leve de Peter Farrelly (de filmes mais bobinhos, como os dois Debi & Lóide) evita momentos de maior tensão, fazendo com que a jornada flua tranquilamente pelas estradas americanas, fora uma ou outra situação facilmente resolvida. Entre os três roteiristas, está Nick Vallelonga (além de Farrelly e Brian Currie), filho de Tony Lip, que diz ter montado a história de acordo com que o pai contou e com suas lembranças. A família de Shirley contesta algumas passagens e até fatos mais relevantes, como a amizade entre os dois. Para eles, o pianista nunca se afeiçoou a um empregado, sempre tratando-os com distanciamento. Empasses como esses são comuns em filmes “baseados em fatos”.
Outra polêmica levantada por alguns críticos de fora diz respeito à importância dos biografados. Se o genial Shirley é muito mais interessante que o falastrão Tony Lip (daí o apelido, algo como Tony Lábia), por que não focar o projeto no pianista? O fato de o projeto ter o filho de Vallelonga envolvido já responde a pergunta. E é frequente termos “uma escada”, um anônimo ou alguém tido como menos importante para que possamos nos identificar e que facilite a ponte ao outro personagem, o figurão.
Às vezes, acontece de filmes não muito bons ganharem atenção não merecida, e já tivemos até ganhadores de Oscar de Melhor Filme de qualidade duvidosa. Não é o caso de Green Book, que é sim uma boa obra. Mas não era para tanto. Montagem e roteiro, por exemplo, não têm nada de extraordinário, nada que justifique tanto confete. Trata-se de uma história agradável, para se divertir por duas horas, com bons intérpretes. O que já é muito, mas não passa disso.
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