por Marcelo Seabra
Um filme que toca uma música da dupla Burt Bacharach e Hal David nos primeiros minutos já começa ganhando a simpatia de seu público. Logo descobrimos tratar-se de um ponto de partida triste, com a morte de uma mulher que deixa para trás o marido e o filho pequeno. E a criança é autista, assim como os filhos do diretor e do roteirista do longa. Po (A Boy Called Po, 2016), que chega agora aos cinemas brasileiros pela Cineart, se propõe a mostrar um retrato mais real do autismo.
A ideia de John Asher ao comandar o filme era mostrar para quem não está próximo como se comporta alguém que está no espectro do autismo, como seu Evan, hoje com 14 anos. O próprio Bacharach, que assina a trilha sonora, tinha sua Nikki, que acabou tirando a própria vida aos 40. É comum vermos no Cinema crianças autistas decifrarem códigos e montarem bombas e afins. Não é usual vermos como se organiza uma família, ou o impacto nos pais, quando chega um filho com essas características.
Ao escrever o roteiro, Colin Goldman também pôde colocar algumas experiências familiares, o que torna bem reais as atitudes e reações do personagem-título. Após a perda da mãe, Patrick (Julian Feder, de Community) se fecha cada vez mais e o pai (Christopher Gorham, de 2 Broke Girls) se desdobra para vencer o luto, criar Po (como ele prefere ser chamado) e finalizar o projeto no qual trabalha. Reconhecer que pode não dar conta de tanto não é uma opção para David, que se esforça e vê sua vida sair dos trilhos.
Se o tom é sensível, a ideia é promissora e a intenção, nobre, Po peca nos desdobramentos. O roteiro só vai soar original para quem nunca vê filmes. A sequência de obstáculos, o fundo do poço e a redenção seguem um caminho bem tradicional, para não dizer clichê, e as soluções são muito convenientes. É comum filmes deixarem a impressão de que os realizadores sabiam aonde queriam chegar, mas não como, e é esse o caso.
Produção independente bancada pela Commonwealth Film Manufacturing e pela New Coast Productions, Po não deve ter tido um orçamento muito polpudo, isso fica claro. Os cenários são muito simples, não há nada visualmente elaborado – com exceção talvez dos devaneios do garoto, que se imagina em lugares diferentes. Esse talvez seja o maior mérito de Po (o filme): tentar desvendar o que se passa na cabeça de uma criança autista usando como base a experiência de adultos neurotípicos que conhecem o assunto de perto.