por Marcelo Seabra
Um babaca egocêntrico, que se orgulha de seu egoísmo, entra num relacionamento abusivo com uma mulher que o admira demais para perceber a canoa furada em que entrou. Assim pode ser descrito o protagonista de Trama Fantasma (Phantom Thread, 2017), novo filme de Paul Thomas Anderson que mais uma vez conta com Daniel Day-Lewis à frente do elenco. O ator, único vencedor de três Oscars em sua categoria, disse que esse seria seu último trabalho.
Os trabalhos de Anderson sempre chamam bastante atenção e criam expectativa. Esse acabou indo mais longe devido ao anúncio de Day-Lewis, hoje já aposentado. Ele vive Reynolds Woodcock, um costureiro famoso e requisitado nos anos 50 que recebe encomendas da alta roda e até da realeza. Solteirão convicto, ele aproveita a companhia de mulheres até perder o interesse e dispensá-las, passando logo para a próxima. Com a ajuda da irmã, Cyril (Lesley Manville, da série River), ele comanda um grupo de costureiras encarregadas de produzirem o que ele desenha.
Quando Alma (Vicky Krieps, de O Jovem Karl Marx, 2017) aparece na história, pensamos ser apenas mais uma a passar pela vida de Woodcock. Mas, devagar e com jeito, ela vai ganhando espaço e a afeição do sujeito, que nem por isso deixa de ser estúpido com todos à sua volta – inclusive ela. Aquela velha máxima de “gênios são difíceis” parece se aplicar aqui, e coitado de quem estiver por perto. As funcionárias varam a noite, se necessário, para entregar uma peça, e aguentam todo tipo de estrelismo.
Uma personagem curiosa na trama é Cyril, a irmã que serve de gerente geral da Casa Woodcock. Ao mesmo tempo em que tem carta branca para dizer o que acha e puxar a orelha de Reynolds, ela tem total ciência de quem paga as contas e, por isso, não só faz vista grossa aos abusos do irmão como o acoberta. Ela chega ao cúmulo de ser a mensageira para as pretendentes descartadas. E é interessante perceber como várias mulheres se colocam nessa posição. Ele é um homem bonito, rico, talentoso e que goza de prestígio social, o que o tornaria um bom partido. Mas esconde uma personalidade desprezível.
Tecnicamente, como todo trabalho de PTA, Trama Fantasma é primoroso. Figurino, fotografia, o uso das cores e as atuações são todos impecáveis. Dizer que Day-Lewis está bem no papel é pleonasmo, como acontece com Meryl Streel. Suas colegas, Krieps e Manville, são ótimas, o que torna a experiência de acompanhar um sujeito tão asqueroso menos dolorosa. Outro ponto a se destacar é a trilha de Jonny Greenwood, marcante e equilibrada, na mesma classe do conjunto.
A obra de Anderson costuma entrar no grupo do “ame ou odeie”, e seus defensores são fervorosos. Para quem não gosta, ou não tem sua sensibilidade na mesma sintonia, resta admirar os pontos positivos e passar adiante. Não relevando, mas suportando o ritmo lento, a aparente falta de um propósito ou destino a alcançar e a torpeza dos personagens, todos aparentemente dispostos a trair, abandonar ou sacrificar o próximo.
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