1922 é o quinto Stephen King do ano

por Marcelo Seabra

Com a nova produção original Netflix, Stephen King vê sua quinta obra sendo adaptada esse ano. E, felizmente, com um ótimo resultado. 1922 (2017) já está disponível e vai assombrar os pesadelos de muita gente, com seus inúmeros ratos surgindo não se sabe de onde. O resultado só perde para It – A Coisa (2017), mas são caminhos bem distintos: esse segue pelo terror psicológico, pelos fantasmas que só um homem culpado vê.

Com uma leve influência de Crime e Castigo, clássico de Dostoiévski, e uma pegada de O Coração Acusador, de Allan Poe, King desenvolve seu próprio estudo dos efeitos da culpa, dentre outros assuntos. O mais impressionante é que o conto, terceiro a saltar do livro Escuridão Total Sem Estrelas, não parece dos mais promissores para as telas. Mérito do diretor Zak Hilditch (de As Horas Finais, 2013), que adaptou ele mesmo a história e soube aproveitar os pontos mais importantes, sem esticar nada. Nada mirabolante, daquele tipo que dá a falsa impressão de ter sido feito muito facilmente.

Outro fator que ajudou muito no sucesso dessa adaptação foi a escolha do protagonista. Em sua terceira incursão no mundo de King (depois de O Apanhador de Sonhos e O Nevoeiro), Thomas Jane (acima) mais uma vez mostra ser um ator subaproveitado pela indústria. A mudança física, para um sujeito que já foi galã e (anti)herói de quadrinhos, é impressionante. Magro, com entradas que sinalizam uma calvície próxima, arcadas dentárias que não parecem se encontrar e um jeito taciturno, ele vive um perfeito fazendeiro de poucas posses, acostumado a muito trabalho naquele longínquo ano de 1922.

Com um terreno razoável para suas plantações e vacas, Wilfred (Jane, de O Sono da Morte, 2016) sonha em anexar os acres herdados pela esposa, Arlette (Molly Parker, de Pequenos Delitos, 2016). O problema é que ela pensa em vender tudo o que puder e abrir uma loja na capital, onde julga que as pessoas sejam muito mais interessantes, e assim seria a sua vida. A mudança significaria ao filho do casal, Henry (Dylan Schmid, de Amaldiçoado, 2013), ter que deixar a namorada, a filha do fazendeiro vizinho, para acompanhar a mãe.

Para manter suas terras e sua vida no mesmo lugar, Wilfred começa a arquitetar a morte da esposa. E o pior: manipula o filho para ajudá-lo. E é aí que as coisas esquentam. É muito curioso acompanhar as consequências dos atos dos dois, e a forma como a mente de Wilfred funciona. Para contribuir, temos a combinação de dois elementos fantásticos: a trilha sonora de Mike Patton (de O Lugar Onde Tudo Termina, 2012), que sabe o momento exato de ficar perturbadora, e a fotografia de Ben Richardson (de Indomável Sonhadora, 2012), que consegue passar claustrofobia mesmo em lugares abertos.

O tempo passa e as pastagens vão ficando marrons, o gado vai morrendo e Wilfred, perdendo a sanidade. E o público acompanha o processo de perto. Ele é um sujeito terrível, claro, mas não conseguimos ter raiva dele, tamanha é a desgraça que se avizinha. Assim como em Jogo Perigoso (Gerald’s Game, 2017), boa parte do que vemos está na mente do protagonista. Mas, nem por isso, é menos prejudicial ou assustador.

Arlette não sabe o que a espera

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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