Entre Irmãs é o épico de Pernambuco

por Marcelo Seabra

Emília e Luzia são irmãs, e alimentam expectativas de vida completamente diferentes. Em uma cidadezinha do poeirento interior pernambucano, uma sonha em ir para a capital, enquanto a outra só teme esse dia, quando as duas serão separadas. Usando esse drama, o diretor Breno Silveira mostra um amplo panorama do Brasil, da história a comportamentos. Entre Irmãs (2017), que chega aos cinemas essa semana, é um épico que mostra que muitos problemas do passado continuam atuais.

Ainda lembrado por Dois Filhos de Francisco (2005), Silveira parece sempre interessado em personagens genuinamente brasileiros, como o famoso cantor Luís Gonzaga (de Gonzaga: De Pai para Filho, 2012) ou o anônimo motorista de caminhão de À Beira do Caminho (2012). Agora, é a vez de duas meninas nordestinas, competentes e bem educadas costureiras que nos revelam algumas contradições e preconceitos do país. Dos tais homens de bem. Nos papéis principais, Marjorie Estiano (de O Tempo e o Vento, 2013) e Nanda Costa (de Gonzaga) são mulheres fortes, que carregam bem o roteiro de Patrícia Andrade, habitual colaboradora do diretor.

De um lado, temos um líder de cangaceiros bem romantizado, um cavalheiro (vivido por Júlio Machado, de Não Pare na Pista, 2014). Injustiçado pela vida, ele foi forçado pelo destino a pegar em armas. Um pouco forçado, sim, mas ainda é um núcleo interessante, que ajuda a desmistificar essas figuras. Do outro lado, temos a alta classe recifense representada por um rico patriarca (Cláudio Jaborandy, de Gonzaga) e sua esposa (Rita Assemany, de Abril Despedaçado, 2001). O Dr. Duarte acredita piamente na frenologia, pseudociência que foi desacreditada no século XIX. Ele era uma referência de cultura e autoridade para seus pares, mesmo com esse pensamento extremamente atrasado. E Dona Dulce só se preocupava com o que os outros iriam falar, vivendo de aparências e convenções.

Baseado no livro A Costureira e o Cangaceiro, da pernambucana radicada nos Estados Unidos Frances de Pontes Peebles, o filme tem uma cara de romance definitivo de uma região, bem como é O Tempo e o Vento para o Rio Grande do Sul. Mas suas questões são bem atuais, não ficando apenas na formação de um povo. Um exemplo claro desse frescor é a sugestão de uma cura gay, algo que parecia relegado ao início do século passado, e é encontrado nos jornais de hoje. Luzia e Emília são dois exemplos que podemos chamar de mulheres empoderadas, que fazem seus próprios destinos, procurando um par para somar, e não para protegê-las ou dominá-las.

A sessão de Entre Irmãs é longa, com suas duas horas e quarenta minutos. Mas não chega a cansar. Silveira costura bem belas imagens, tanto no campo quanto na cidade, uma trilha sonora discreta e um bom elenco – além dos citados, vemos em cena Letícia Colin (do novo Saltimbancos Trapalhões, 2017), Fábio Lago (de Operações Especiais, 2015), Rômulo Estrela (de Depois de Tudo, 2015) e Ângelo Antônio, o tal Francisco que tinha dois filhos. É sempre bom ver uma obra feita com capricho que dá os holofotes a mulheres tridimensionais. Ainda mais quando, até hoje, o corretor do Word não reconhece a palavra “empoderada”.

Elenco e equipe se reuniram em SP para coletiva

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

Recent Posts

Grazi e Gianecchini são Uma Família Feliz

Expoente da literatura de terror nacional, Raphael Montes já vendeu estimados 500 mil livros e…

4 semanas ago

Oscar 2024 – Indicados e Previsões

Com apresentação de Jimmy Kimmel (abaixo), que exerce a função pela quarta vez, a 96ª…

2 meses ago

Oscar 2024: comentários de um convidado

por Alexandre Marini Marcelo Seabra me convidou para escrever um pouco sobre minha percepção a…

2 meses ago

Família da luta livre tem sua história contada em Garra de Ferro

A partir do final da década de 70 e por todos os anos 80, houve…

2 meses ago

Parte Dois de Duna chega mantendo o nível

Depois das 2h35min da primeira parte, chega aos cinemas essa semana Duna: Parte Dois (Dune:…

2 meses ago

Pacote Oscar 2024

Conheça melhor alguns dos indicados ao Oscar 2024: Maestro (indicado a sete Oscars) Esforço gigantesco…

2 meses ago

Thank you for trying AMP!

We have no ad to show to you!