Death Note não decepciona só fãs

por Marcelo Seabra

Você conhece o Ryuk? Se sim, você deve ser um dos muitos fãs pelo mundo do mangá Death Note ou do anime que veio na sequência. Se não, prepare-se para conhecer um universo bem interessante, no qual um caderno sela o destino de quem tem seu nome escrito nele. A Netflix produziu e já disponibilizou a adaptação desse material para o Cinema. Mas os comentários têm sido impiedosos. É uma pena que, se a proposta é promissora, a realização deixa muito a desejar.

Death Note (2017), o filme, é um daqueles casos em que o falatório a respeito pegou tão pesado que acabou aumentando o público, que ficou curioso e foi conferir. E ele não merecia a metade dessa exposição. Longe dos extremos, o resultado fica no meio, desperdiçando ideias e sequências criativas com personagens rasos e até ridículos e situações que poderiam ter ido longe, mas optaram pela falta de sentido. Os fãs da obra de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata não gostaram das alterações e se revoltaram, mas a verdade é que não se trata de um problema de adaptação, já que essa liberdade entre meios deve existir. É só um filme ruim.

Assim como aconteceu com A Vigilante do Amanhã (Ghost in the Shell, 2017), o original japonês ganha vida com elenco prioritariamente americano e as críticas já começam no anúncio da produção. Nat Wolff (famoso por Cidades de Papel, 2015 – acima) vive Light Turner, um estudante que tem sua vida mudada quando cai em seu colo (literalmente) um caderno misterioso. Logo em seguida, Light se desespera ao ver uma criatura bem esquisita – e muito bem-feita digitalmente – que se diz ser algo como um deus da morte. Basta escrever o nome de um desafeto no caderno, pensando na pessoa, e ela morrerá. Dá até para especificar a causa da morte.

Essa premissa dá tantas possibilidades que o início do filme chega a ser excitante. Quantas questões bacanas poderiam ser discutidas, começando pelo poder de decidir entre vida e morte! Ela cria expectativa e segue um caminho interessante até que percebemos dois problemas graves: a enorme proporção que toma o romance dos personagens e o surgimento de um tal detetive (Lakeith Stanfield, de Corra!, 2017) que leva a história ao fundo do poço. Após uma rápida busca pela internet, percebe-se que os personagens têm várias diferenças com seus correspondentes no mangá, e todas parecem puxar a nova obra para baixo.

O namoro de Light e Mia (Margaret Qualley, de Dois Caras Legais, 2016) vira o centro do filme e as decisões que eles tomam giram em torno disso. É uma bobagem muito grande perder tanto potencial para enfatizar o que qualquer filminho tem, além de tornar as ações dos dois mesquinhas. E L, o tal detetive? Na fonte, ele seria quase um Sherlock moderno, o rei das deduções. Na tela, o que vemos é um adulto mal resolvido que age por impulso e tem uma tara por balinhas, mas nem sabe como colocá-las na boca sem derramar metade. Com atitudes estapafúrdias, como pular com os dois pés numa cadeira, ao invés de se sentar, ele irrita e chegamos a torcer para que morra logo.

A resolução, afobada, não amarra bem as coisas e fica clara a sensação de que os roteiristas não sabiam o que fazer. Light deveria ser mais inteligente, frio e prático, mas fica só no perfil “romântico medroso”. Os irmãos Charley e Vlas Parlapanides escreveram o primeiro esboço nos idos de 2007, quando o mangá tinha acabado de ser publicado (2003-2006). Depois de trocas de estúdio e profissionais envolvidos, a Netflix assumiu a produção e contratou Jeremy Slater para reescrever. Os três foram creditados como roteiristas e o produto ficou nessa bobagem.

Pecado maior é aproveitar mal Willem Dafoe (de Cães Selvagens, 2016), que faz a voz de Ryuk e acaba limitado a algumas frases espertinhas e risadinhas que ecoam. Shea Whigham (de Kong, 2017), quase um Kurt Russell mais novo, não cansa de ser enganado como o pai de Light. Apesar de uns curtas e até longas elogiados, o diretor Adam Wingard é o responsável pelo recente Bruxa de Blair (Blair Witch, 2016), o que não conta pontos. Ele disse, em entrevistas de divulgação, que a Netflix estaria disposta a lançar um Death Note 2, só dependeria das pessoas assistirem ao primeiro. Veremos o que o futuro guarda para essa possível franquia.

Ryuk é um mentor e um vilão ao mesmo tempo

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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