por Marcelo Seabra
Tido como cult por toda uma geração, era questão de tempo até que Ghost in the Shell chegasse ao Cinema. Lançados em 1989, os quadrinhos traziam diversos pensamentos sobre filosofia, avanços tecnológicos e identidade. A ideia do criador da série, Masamune Shirow, era de que, num futuro próximo, será fácil misturar humanos e máquinas. E qual seria o limite para essa mistura? Onde entram as questões éticas?
Estreando essa semana, o longa em live action ganhou no Brasil o título A Vigilante do Amanhã e tem Scarlett Johansson à frente do elenco. Não satisfeita em ser a Viúva Negra nos filmes do Universo Marvel, a atriz ainda quis ser a heroína dessa ficção-científica que abusa de suas curvas, mas sem qualquer traço de erotismo. No trailer, as pessoas já se indagam por que ela precisaria tirar a roupa para saltar de um prédio. A boa notícia é que, mesmo que a explicação não seja ótima, há uma explicação. Essa foi uma polêmica levantada, além do fato de a protagonista ser branca, quando a história é de um japonês, assim como suas criações. Como vemos na tela grande diversidade de nacionalidades, pode-se dizer que os limites de países não são mais claros, as corporações que dominam o mundo.
Na trama, conhecemos “Major” (Johansson), a líder de uma divisão especial de proteção do governo. Sua equipe luta contra terroristas tecnológicos e ameaças dessa natureza. De cara, descobrimos que há um vilão invadindo sistemas e matando pessoas e a missão da turma é encontrar e eliminar o sujeito. Major tem apenas o seu cérebro intacto, todo o resto de seu corpo foi construído e a manutenção é feita por seus criadores. Daí, vem a metáfora que explica o título original: ela seria apenas uma alma, ou fantasma, em uma concha.
O visual do longa é bem inovador, algo como a cidade de Blade Runner reimaginada por Joel Schumacher, aquele que tornou Gotham uma cidade colorida e espalhafatosa nos filmes do Batman. Há muita criatividade nos cenários e nos recursos tecnológicos, como estradas passando dentro de prédios e anúncios publicitários projetados nos céus. Eles permitem tomadas muito interessantes, envolvendo efeitos especiais de ponta. Para os humanos, a palavra-chave é aprimoramento: se hoje, muitos fazem cirurgias plásticas, imagine o que faremos quando for possível inserir ou trocar partes inteiras do corpo?
Em 1995, foi lançado um anime que também adapta a história da Major, e ele inclusive trouxe mais fama aos quadrinhos. Apesar de muito famosa e adorada, essa animação não serviu como base para o filme. Há, sim, alguns elementos dela, mas em contextos diversos. Um exemplo é a dupla de lixeiros, que tem papéis diferentes em cada obra. Meia hora de duração separa as duas, o que permite muito mais tempo para gastar em desenvolvimento e ação.
Nos quase dez anos em que o projeto ficou em produção, vários profissionais contribuíram com suas ideias. Como roteiristas, foram creditados na versão final Jamie Moss (de Os Reis da Rua, 2008), William Wheeler (de O Vigarista do Ano, 2006) e Ehren Kruger (dos três últimos Transformers), sob o comando do pouco expressivo Rupert Sanders (de Branca de Neve e o Caçador, 2012). Isso afasta o resultado de suas origens, o que dá a impressão de que o estúdio queria que o filme fosse além, mais completo e diferente o suficiente para agradar e surpreender quem já conhecia o material.
Essa busca pelo diferente parece ser o principal problema deste novo Ghost in the Shell. Não há suspense, não há mistério. Tudo é escancarado de início e torna-se apenas uma perseguição, com alguns fatores sendo alterados ao longo da projeção. A jornada de autodescobrimento da Major fica em segundo plano e tudo cai num lugar comum previsível. Fãs dos quadrinhos ou da animação de 95 temiam que sua obra querida ganhasse uma adaptação pavorosa para os cinemas. Não foi o caso, felizmente. Só não é memorável.