por Marcelo Seabra
A carreira de M. Night Shyamalan certamente teve altos e baixos. Fragmentado (Split, 2016), que chega ao Brasil essa semana, é mais uma tentativa de voltar à boa forma e mostrar que ele pode escrever e dirigir um filme sem estragar tudo. Porque, baseando-se nos últimos projetos dele, essa é a conclusão natural.
O cerne do roteiro, dessa vez, é o transtorno dissociativo de identidade, antes chamado de transtorno de múltiplas personalidades. Normalmente, ele é atribuído a um trauma severo e repetitivo na infância, seja sexual, físico ou emocional. Em uma dessas situações se encaixa Kevin (James McAvoy, a versão jovem do Professor Xavier dos X-Men). Em tratamento com a Dra. Karen Fletcher (Betty Buckley, de Fim dos Tempos, 2008), o sujeito apresenta 23 personalidades distintas já mapeadas, e elas se revezam.
Como se dá a troca entre as personalidades, ou quem fica “à luz”, como é dito, não fica claro. A questão é que a cada momento alguma delas é a dominante, e elas variam tanto quanto uma plateia de um espetáculo. Há uma criança, um acadêmico, uma mulher má, outra mais jovem, um estilista etc. Um dos mais frequentes é um homem forte, cheio de manias, que dá início à história sequestrando três garotas.
Para cada um desses personagens, McAvoy cria trejeitos específicos, envolvendo o andar, a postura, a expressão, o vocabulário, o vestuário. É um trabalho meticuloso, que geralmente denuncia logo quem está “à luz”. É fácil saber qual dos 23 está falando. Ele troca de roupa e de cara rapidamente e nos deixa exaustos, pensando na complicação que seria ter 23 pessoas morando dentro de si.
Com os fracassos que veio acumulando, Shyamalan passou a trabalhar com orçamentos mais enxutos, ficando aqui na casa dos nove milhões. Os cenários de Fragmentado são bem simples, concentrando a força do roteiro em seu elenco. Além de McAvoy, outra potência é Anya Taylor-Joy, a descoberta do grande destaque de 2015, A Bruxa (The Witch). A garota é bastante expressiva e parece guardar muita experiência, tornando o duelo entre os dois algo bonito de se ver.
Após ganhar notoriedade com o ótimo O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), o diretor assinou aquele que deve ser seu melhor filme: Corpo Fechado, o triste título nacional para Unbreakable (2000, que poderia ter sido Inquebrável). Em 2006, após outros dois acertos (Sinais e A Vila), Shyamalan perdeu a mão totalmente com o descabido A Dama na Água (Lady in the Water, 2006) e, daí, foi só descendo o barranco.
A Visita (The Visit, 2015), trabalho mais recente do cineasta, tem seus exageros e bobagens, mas não chega a ser ruim, indicando que algo de bom pudesse vir adiante. Esse algo é Fragmentado, que não deixa de ter suas loucuras “shyamalanianas”, mas segue uma linha coerente e as máximas de seu próprio universo. Para histórias marcadas pelo absurdo, é importante seguir as regras estipuladas. Com os mais de 250 milhões de dólares arrecadados pelo mundo, fica fácil prever que vem mais Shyamalan por aí. Resta saber o que esperar.
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