Ben-Hur ganha refilmagem dispensável

por Marcelo Seabra

É uma tarefa ingrata refilmar um clássico. Ainda mais um vencedor de diversos prêmios, entre eles 11 Oscars, responsável por alçar seu protagonista ao Olimpo hollywoodiano e dirigido por um dos maiores gênios do ofício. Mas o novo Ben-Hur (2016) encontrou em Timur Bekmambetov (de Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, 2012) um comandante destemido o suficiente. E o principal desafio seria criar uma corrida de bigas ainda mais marcante que a original, de longe a sequência mais lembrada do longa de 1959.

Algo importante de ser deixado claro de início é a natureza religiosa do filme. Como diversos outros lançamentos recentes (como Deus Não Está Morto, 2014 e 2016, e Ressurreição, 2016), Ben-Hur visa aproximar o público de certos preceitos cristãos. Entre os produtores há figuras ligadas à causa e até o material promocional aponta a aceitação por líderes religiosos de alguns grupos – o que nos remete ao cômico Ave, César (Hail, Caesar, 2016), que apresenta a uma reunião exatamente com o fim de garantir que nenhuma crença seria ferida pelo filme em andamento. Não é à toa que Jesus Cristo, na pele do nosso Rodrigo Santoro (abaixo), tem maior importância aqui do que teve em qualquer outra adaptação do livro de Lew Wallace. Ele aparece em momentos chave com pérolas de sabedoria, como “ame o seu inimigo”.

Uma vez esclarecido o ponto religioso, é justo também afirmar que essa característica aparece com menor fervor que nas demais obras citadas. Mas ela influencia, por exemplo, na violência mostrada, que é geralmente maquiada, e até acaba com a polêmica do filme de 1959 que colocava os personagens principais como uma espécie de casal gay em negação. Um dos roteiristas não-creditados, o escritor Gore Vidal, deixou claro que essa atração existia, e podemos ver isso na tela. Agora, Judah Ben-Hur e Messala Severus são irmãos de criação de diferentes religiões e cada um tem um interesse amoroso feminino óbvio.

A história de Ben-Hur é mais do que conhecida. Um príncipe judeu é falsamente acusado de traição contra Roma, é transformado em escravo e busca vingança contra seu algoz, com quem cresceu. É a velha luta de irmãos, que se tornará um conto de vingança e perdão. Como Judah Ben-Hur, temos Jack Huston, ator que despontou na série Boardwalk Empire (e esteve no citado Ave, César) e calça as sandálias que já pertenceram a Charlton Heston. Ele começa o longa magrinho, de modos pacíficos, para ganhar corpo (literalmente) a partir do meio, e passa a exibir uma personalidade mais marcante. Toby Kebbell (de Warcraft, 2016), ao contrário, já se impõe desde o começo, o que tornará o embate entre eles mais interessante.

A reencenação da icônica corrida de bigas é mostrada desde o primeiro minuto de projeção, sendo entrecortada por flashbacks que nos levarão até ela. Há uma narração, provida por Morgan Freeman (de Ted 2, 2015), e ele aparece como personagem também. Mal construído, diga-se de passagem, já que começa como um ambicioso treinador de cavalos e logo se torna magicamente o benfeitor de Judah. A corrida funciona muito bem e traz a emoção que o longa carecia. A fotografia, do experiente Oliver Wood (da trilogia Bourne), é outro elemento que ajuda a produção, chegando perto de dar a ela a cara de épico que ela busca. Mas diálogos bobos e óbvios não ajudam e algumas soluções do roteiro são bem simplistas e açucaradas. Parece que John Ridley (de 12 Anos de Escravidão, 2013) e Keith R. Clarke (de Caminho da Liberdade, 2010) se cansaram de escrever e começaram a amarrar as pontas soltas.

Com roupas mais descoladas e vocabulário bem atual, este Ben-Hur parece ser uma tentativa de apresentar esta história clássica a novas gerações. Isso, além de prover a elas alguns valores religiosos, embutidos aqui e ali. Filmes de sandálias e espadas, como são chamados, não estão exatamente em alta no momento, como estavam na época em que William Wyler dirigiu Heston e companhia. Mais curta e com cara de mais barata, essa versão não deve atingir uma grande bilheteria, mas não deixa de ser divertida. Veremos se vai conseguir agradar ao público jovem e a quem tem boas memórias de seu antecessor.

A dupla do longa de 59 parecia bem apaixonada

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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  • Assisti várias vezes a primeira versão assim como li o livro no qual se baseou o filme. Ainda não assisti o novo Ben-hur e espero vê-lo em breve. Acho que alguns filmes deveriam ser intocáveis e este é um deles, eles possuem uma magia e uma dimensão que são difíceis de mensurar. Mas é claro que a indústria precisa faturar e alto e não perderiam a oportunidade de refilmar este grande clássico. Hoje, a grande diferença são os recursos tecnológicos impensáveis em 1959. Apesar disto o filme continua sendo um dos recordistas do Oscar até hoje, o que prova sua força e capacidade de resistência ao tempo. Pretendo assistir e comentar em breve minha opinião. Obrigado

  • Um filme que ganhou 11 oscars não se refilma... é clássico absoluto.

  • Refilmagem totalmente desnecessária. O grande clássico é maravilhoso e insuperável.

  • Particularmente, sou adepto de refilmagens. Não que elas precisem existir, mas não há problema em serem feitas. Se a refilmagem for uma porcaria, temos o original - lembrando que o "Ben-Hur" devorador de Oscar já era uma refilmagem. Sendo assim (e vocês verão que essa introdução provavelmente não importará em nada), eu acredito que o original é, sem mais nem menos, infinitamente superior. É clássico e não é clássico à toa.

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