por Marcelo Seabra
É interessante acompanhar a variedade de trabalhos dos irmãos Coen. Nos mais diversos gêneros, Joel e Ethan geralmente dirigem, escrevem, produzem e até editam, o que confere a seus filmes uma identidade bem marcante. A novidade assinada por eles atende por Ave, César (Hail, Caesar, 2016), uma homenagem à Hollywood dos anos 50, época em que o mundo passava pela Guerra Fria, que seguiu a destruição da Segunda Guerra, e precisava de diversão escapista. Ou ao menos assim pensavam os executivos dos estúdios, que produziam bobagens cativantes e repetitivas, diversas delas para cada obra prima que sobrevive até hoje.
Com um executivo de estúdio servindo como fio condutor, os irmãos Coen passeiam por cenários majestosos e visitam quatro tipos de filmes característicos do período: o de tema bíblico, o faroeste, o musical com números de dança e o aquático, com nado sincronizado e uma bela sereia. Todos têm uma grande estrela capitaneando o elenco, que no caso são vividas por George Clooney (de Tomorrowland, 2015), Alden Ehrenreich (Blue Jasmine, 2013), Channing Tatum (Os Oito Odiados, 2015) e Scarlett Johansson (de Capitão América: Guerra Civil, 2016), respectivamente. Os quatro encarnam o espírito da época muito bem, caricatos em cena e dando um pouco de profundidade para os estereótipos que conhecíamos apenas do lado de cá da tela.
É bem divertido acompanhar a trama louca, com comunistas sequestradores, e os dramas dos bastidores, como a vedete grávida e sem marido – um escândalo naqueles dias – e o ator de um personagem só com um sotaque medonho. Há vários ecos de obras consagradas, de Quo Vadis (1951) a Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952), e vemos genéricos de Um Dia em Nova York (On the Town, 1949), entre vários outros. E as histórias por trás das câmeras, como a de um galã que teria dormido com um diretor por uma oportunidade, tornam as coisas mais picantes. E enriquecem o time de coadjuvantes do longa, que inclui Ralph Fiennes (Spectre, 2015), Tilda Swinton (O Grande Hotel Budapeste, 2014), Frances McDormand (Olive Kitteridge, 2014), Jonah Hill (Anjos da Lei 2, 2014) e Clancy Brown (Demolidor), e a lista é grande.
Vivendo o protagonista, Eddie Mannix, Josh Brolin (Sicario, 2015) mais uma vez mostra que não tem medo de brincar com clichês. Ele é o cara durão que lamenta não passar mais tempo com os filhos e está sempre na igreja se confessando. Ele é temido pelos artistas, mas fuma escondido para a esposa não achar ruim. Na Capitol Pictures, ele é o sujeito que “arruma” as coisas, possibilitando às produções manter prazos e evitar prejuízos nas várias filmagens simultâneas. E é quem dá as notícias ao chefão, que nem lá fica. Em meio a tanta ficção, é interessante notar que Mannix é um sujeito real, tendo de fato crescido no mundo do Cinema até virar um figurão. Provavelmente por ser mostrado de forma positiva, ele seja o único com o nome mantido, mesmo que ele não fosse bonzinho como o retratado. Em Hollywoodland – Bastidores da Fama (2006), Mannix, interpretado por Bob Hoskins (de Branca de Neve e o Caçador, 2012), está ligado ao assassinato do ator George Reeves e de sua esposa, Toni Mannix, que formavam um suposto casal adúltero.
Misturando realidade e ficção e fazendo até auto-referência, já que Capitol Pictures é o mesmo estúdio de Barton Fink (1991), os Coen conseguem novamente fazer uma bela obra e, de quebra, um tributo à indústria à qual pertencem. Pode ser mais pueril ou inocente que trabalhos mais densos da dupla, como Fargo (1996), O Homem Que Não Estava Lá (2001) ou Inside Llewyn Davis (2013), mas ainda é um “irmãos Coen”. O que já significa muito, e mais do que a maioria.
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