por Marcelo Seabra
É bem complicado se manter alheio aos detalhes de uma produção da magnitude de Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016). Por mais que se tente ignorar, sempre ficamos sabendo de algum detalhe que não era bem vindo se antecipado. Até o trailer adianta muita coisa. O próprio diretor, Zack Snyder, aparece antes da sessão começar pedindo que ninguém estrague o filme para os amigos, deixando os segredos permanecerem assim. É bem possível fazer uma análise sem estragar nada, e dá para começar afirmando que o resultado é bem superior ao de O Homem de Aço (Man of Steel, 2013).
A primeira notícia da produção a desagradar os fãs extremistas dos quadrinhos foi a escolha de Ben Affleck para o papel do Homem Morcego. Destaque no recente Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), o ator não é lembrado por seus dotes de interpretação. Felizmente, sua composição sóbria casa muito bem com o personagem, um vigilante marcado pela morte dos pais que combate o crime há vinte anos e não vê melhorias em sua cidade. “Criminosos são como ervas daninhas, você arranca um e aparece outro”, ele diz, descrevendo seu desânimo. Esse ponto a que chegou nos leva a perceber que ele já não se importa tanto com a vida humana, e vemos um Batman muito mais violento do que o usual, desiludido e de poucas palavras.
Com um Batman bem interessante, numa abordagem mais madura até então desconhecida no Cinema, a tarefa de Henry Cavill ficou ainda mais ingrata. Clark Kent e Superman acabam sendo figuras insossas, e a culpa não é apenas do intérprete, que faz o que pode. O roteiro, do irregular David S. Goyer (da trilogia de Nolan) e Chris Terrio (de Argo, 2012), chega quase a deixar o Super de lado, criando tramas frágeis para ele, situações difíceis de crer. Alguns dos erros de O Homem de Aço serviram como escola e Snyder evita, por exemplo, aquela destruição desenfreada e entediante. A ligação entre os dois longas é bem amarrada, trazendo Bruce Wayne no foco narrativo, mais uma vez privilegiando-o.
Clark Kent está envolvido com Lois Lane e Amy Adams tem novamente a chance de ser a mocinha. Alternando momentos de dama em perigo e outros mais fortes, ela tem a oportunidade de participar mais. Mas o grande destaque feminino acaba ficando com a enigmática Mulher Maravilha, vivida com um fôlego impressionante por Gal Gadot (de Velozes e Furiosos 7, 2015). Este é mais um dos pontos negativos deste BvsS: as várias pontas soltas deixadas para serem resolvidas em episódios futuros, como o longa solo da Princesa Amazona. Outros coadjuvantes têm boas participações, como o Perry White de Laurence Fishburne e a senadora de Holly Hunter (de Saving Grace), e teria cabido facilmente uma ponta de Russell Crowe, o que levanta o porquê de sua ausência.
Apesar de ter Batman como grande destaque, os vilões do filme vêm do universo de Superman. Numa versão mais vilanesca e megalomaníaca de Mark Zuckerberg (de A Rede Social, 2010), Jesse Eisenberg (acima) leva seus tiques mais longe e fica bem no limite entre o criativo e o irritante. Mas seu Lex Luthor funciona, parecendo um tom mais sombrio desses jovens bilionários hiperativos de empresas de tecnologia. Fugindo daquelas chatices anteriores ligadas a especulação imobiliária, esse Luthor consegue ser mais ameaçador que Gene Hackman ou Kevin Spacey, mesmo mais jovem.
O filme de Snyder tem cara de história em quadrinhos não a toa: ele bebe em várias fontes consagradas, chegando inclusive a agradecer quadrinistas ao final. Frank Miller, por exemplo, pode ser visto em referências a O Cavaleiro das Trevas, sua minissérie icônica, principalmente no embate entre os heróis. John Byrne, Dan Jurgens e Grant Morrison são alguns dos nomes mais relevantes aqui. Há cenas que também homenageiam outros filmes relacionados, como o colar de pérolas de Martha Wayne arrebentando quando ela é alvejada (como no Batman de Tim Burton). A trilha sonora é uma distração complicada, nada discreta e até retumbante, buscando simular impacto. O 3D falso, convertido, não ajuda, duplicando cenas e dificultando a compreensão. As passagens de sonhos são bem desnecessárias e até mal explicadas, e há outros exageros e confusões, mas a diversão segue firme, tornando as duas horas e meia de projeção não muito cansativas.
Surgidos numa época quando a esperança era necessária, os anos 40 e 50, os principais heróis da DC Comics chegavam perto da imagem de deuses, modelos olimpianos de ética, força e justiça. Snyder usa seu estilo exagerado para reforçar esse aspecto, abusando de closes, poses, chuva e câmera lenta. Ao contrário da Marvel, que se orgulha de seus heróis “gente como a gente”, mais pés no chão, a DC reforça seus deuses, colocando sempre o Superman como um messias e promovendo discussões relacionadas a religião, humanidade e limites. Como acontece com os Vingadores, há aqui a crítica à destruição e à perda de vidas inocentes, causadas pelas super batalhas, e se levanta a possibilidade de banimento dos heróis. Mas a Marvel soube criar melhor esse universo, arquitetando cada fase de sua empreitada cinematográfica, o que praticamente obrigou a DC a correr atrás do prejuízo com este filme. Entre Superman e Batman, o Homem Morcego claramente leva a melhor. No duelo entre editoras, a DC ainda segue bem atrás, com a promessa de acertos futuros. Mas é fantástico ver esse pessoal junto nas telas.
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