Deadpool ganha adaptação digna do personagem

por Rodrigo “Piolho” Monteiro

Deadpool pode ser considerado quase como um fenômeno. “Criado” (entre aspas mesmo) por Rob Liefeld (desenhista de quadrinhos famoso por criar personagens que são quase plágios de outros já existentes) e pelo roteirista Fabian Nicieza no começo dos anos 1990 para ser um vilão dos X-Men, ele, por anos, seguiu a sina de personagens menores da Marvel: atraiu alguma atenção, ganhou um gibi próprio, teve o gibi cancelado, voltou a ser secundário, chamou a atenção novamente, ganhou novo título solo e por aí vai. Ao contrário da maioria dos personagens secundários, no entanto, o fato de as histórias de Deadpool serem completamente nonsense começaram a atrair a atenção nos últimos anos, catapultando-o para um nível de popularidade – pelo menos nos EUA – que chega a quase rivalizar ao de personagens consagrados como Homem-Aranha e Wolverine.

Essa popularidade foi um dos principais fatores que  motivaram o ator Ryan Reynolds (que havia encarnado o personagem no horroroso X-Men Origens: Wolverine, 2009) a fazer uma campanha aberta para que a Fox desse uma segunda chance ao Mercenário Tagarela. Não só isso: Ryan usou de toda a sua influência para manter o filme o mais fiel possível aos gibis, trazendo para a tela todo o nonsense e a violência gráfica que vemos nos quadrinhos. O resultado é um filme proibido para menores de 16 anos que, mesmo com todo o marketing ao redor, deixa a desejar. Como adaptação, funciona perfeitamente. Como filme, tem boas sacadas, mas nada demais. No fim das contas, é mais um filme de ação genérico.

Escrito pela dupla Rhett Reese e Paul Wernick (ambos de G.I. Joe: Retaliação, 2013, e Zumbilândia, 2009) e dirigido pelo estreante em longas Tim Miller, Deadpool conta a história de Wade Wilson, um ex-soldado das Forças Especiais dos EUA que, pouco depois de se enamorar da prostituta Vanessa (Morena Baccarin, de Gotham), descobre ter câncer em estágio terminal, inoperável e sem qualquer chance de tratamento ou cura, em diversos de seus órgãos. Devido ao seu histórico nas Forças Armadas, Wilson é abordado por um recrutador com uma proposta tentadora: ele não só teria seu câncer curado, como ganharia poderes correspondentes aos de um super-herói. Para isso, bastaria realizar alguns serviços para seus empregadores.

Preso entre isso e uma morte dolorosa, Wilson aceita a proposta. Mal sabia ele, no entanto, que o verdadeiro negócio ali era outro: em troca da cura de seu câncer e de seus poderes, que lhe seriam concedidos através dos experimentos do “cientista maluco e malvado” Ajax (Ed Skrein, de Game of Thrones), Wade seria vendido como um escravo superpoderoso para qualquer terrorista que pagasse o preço adequado. Não só isso: apesar de ter curado seu câncer e ter lhe concedido um fator de cura mais eficiente até mesmo do que o de Wolverine, tornando-o praticamente um imortal, o processo do dr. Ajax fez com que a aparência de Wade se tornasse repugnante, para dizer o mínimo. Certo de que isso representaria o fim de seu relacionamento, após fugir de seus captores, Wilson resolve adotar um traje de super-herói e se vingar do homem que arruinou seu rosto.

Deadpool é basicamente um filme de vingança, com bastante ação, cenas bem coreografadas e que muitas vezes desafiam as leis da física. Nada que não tenhamos visto antes. O seu diferencial está no que trouxe dos quadrinhos. Deadpool quebra a quarta parede diversas vezes para se dirigir aos leitores e muitas vezes demonstra saber que está em uma história em quadrinhos e que nada daquilo é real, coisa que os roteiristas transpuseram de maneira bem competente para a telona. O filme ainda abusa do linguajar chulo e piadas quase do nível dos irmãos Wayans, além de nudez. Por incrível que pareça, há menos violência gráfica do que o esperado. Referências aos filmes dos X-Men não faltam e temos ainda, do lado dos mocinhos, Colossus (totalmente feito em um CGI bem decente e dublado pelo ator alemão Stefan Kapicic) e Míssil Adolescente Negasônico (Brianna Hildebrand), personagem criado para o filme. Completam o time o barman Weasel (T. J. Miller, de Transformers: A Era da Extinção, 2014) e o taxista Dopinder (Karan Soni, de Goosebumps, 2015). Já do lado dos vilões, além de Ajax, temos a mutante Angel Dust (Gina Carano, Velozes & Furiosos 6, 2013).

Deadpool é uma adaptação que cumpre o que promete e deve agradar a seus fãs,  mesmo que a maioria deles não possa assistir ao filme nos cinemas devido à alta censura. Mas é incerto dizer se atrairá a atenção do público que não o conhece, por mais que a Fox tenha feito uma excelente campanha de marketing divulgando-o. É um filme bem divertido, mas nada além disso. Vale lembrar que, a exemplo de praticamente todos os filmes de super-heróis da atualidade, há uma cena após os créditos que colocará um sorriso nos rostos da audiência, especialmente daqueles que entenderem a homenagem que ela traz.

Depois de participar do medonho filme do Wolverine, Deadpool ganhou outra chance

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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