Fassbender e Cotillard são os Macbeth

por Marcelo Seabra

Provavelmente o autor mais adaptado do mundo, Shakespeare ganhou uma produção de peso. Em meio a muita coisa produzida em diversas línguas, algumas bem rasteiras, chega aos cinemas uma nova versão de Macbeth (2015), com um elenco fantástico e um cuidado técnico invejável. Tendo passado por diretores como Orson Welles, Roman Polanski e Akira Kurosawa, a história agora está nas mãos do australiano Justin Kurzel, que a trata com o devido respeito e apresenta uma interpretação bem particular.

Clássico conto sobre ambição e culpa, Macbeth acompanha o general homônimo (Michael Fassbender) durante uma campanha de guerra em defesa de seu rei (David Thewlis). O sujeito encontra três bruxas que lhe anunciam uma profecia: de que viria a ser o rei da Escócia. Macbeth fica mexido com aquela história, divide-a com a esposa (Marion Cotillard) e ela já começa a bolar um plano para acelerar o fato. O general, então, mata seu rei e, quando os herdeiros fogem, assustados, assume o trono devido a um parentesco. Lady Macbeth entra para a história da literatura como a grande incentivadora do regicídio, enquanto seu marido é corroído progressivamente pela paranoia de que todos estariam contra ele, o que o leva a cometer diversos assassinatos.

Shakespeare misturou várias fontes e usou figuras histórias para compor esta peça, uma de suas menores, mas mais densas. Para dar vida a um texto complexo e tido como amaldiçoado, era necessário um casal de peso. No papel principal, Fassbender (o jovem Magneto) atua com o vigor certo, parecendo ter nascido para esta missão. Carismático e ao mesmo tempo ameaçador, ele sabe ir de comandado a comandante, chegando a um extremo tirânico. Para sua esposa, a icônica Lady Macbeth, ninguém melhor que Cotillard (sempre lembrada por Piaf, 2007). Ela perde um pouco do elemento conspirador, já que o roteiro atribui a trama aos dois, dividindo a responsabilidade pelos crimes.

Completando o elenco, temos David Thewlis (de Rainha & País, 2014) no papel do rei traído. Com seu sotaque inglês natural, ele traz majestade a Duncan no pouco tempo que tem em tela. Vilão no último Missão: Impossível, Sean Harris muda de lado como Macduff, um guerreiro íntegro que suspeita ter algo de podre no reino da Escócia. Sempre comedido, Harris some quando a câmera liga, dando lugar a quem quer que esteja vivendo. Além do insípido mocinho do mais recente Transformers, Jack Reynor, o outro nome interessante neste grupo é o de Paddy Considine (de Crimes Ocultos, 2015), que dá vida a Banquo, amigo de Macbeth que logo terá sua vida transtornada pela profecia das bruxas.

Conhecido por sua única experiência na direção, Snowtown (2011), Justin Kurzel cria algumas liberdades na história, acrescentando certos elementos que justificariam determinadas ações e até criando referências interessantes. O uso de cores vivas para o campo de batalha acentua a violência que ele nos oferece, sem qualquer rodeio, já que vemos sangue voando, espadas entrando na carne e ossos se partindo. A fotografia de Adam Arkapaw (também de Snowtown) nos proporciona cenas lindas, dentro e fora das batalhas, geralmente com muita fumaça. Mais contemplativo do que se costuma esperar de um filme de guerra, Macbeth tem seus momentos lentos, para logo a seguir partir para a loucura de seu protagonista.

O diretor e seus protagonistas levaram o longa a Cannes

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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