O Clã mostra a força do cinema argentino

por Marcelo Seabra

Todos os dias, pela manhã, um senhor varre a calçada em frente ao restaurante da família, num subúrbio rico de Buenos Aires. Conhecido e respeitado na comunidade, ele vive bem com a esposa e os filhos, um deles um admirado jogador de rugby. Em 1985, o caso tomou os jornais: a família vinha cometendo assassinatos e sequestros e ficou conhecida como o Clã Puccio. Depois de livro e série de televisão, a saga chega à tela grande com produção dos irmãos Almodóvar e o renomado diretor argentino Pablo Trapero à frente.

O Clã (El Clan, 2015) nos apresenta a Arquímedes Puccio (Guillermo Francella, de O Segredo dos Seus Olhos, 2009), o patriarca de uma família aparentemente normal. Como ele era um agente remanescente dos tempos da ditadura militar, seu trânsito entre figuras importantes era bom e isso dava uma certa segurança. Para aumentar a renda da família, Puccio reúne alguns comparsas e começa a sequestrar pessoas financeiramente relevantes. Enquanto ele não recebia o pagamento do resgate, a vítima ficava presa em um quarto de sua própria casa, envolvendo no crime sua esposa e filhos.

Com uma fantástica reconstituição do início da década de 80, entre ruas, roupas e cabelos, o longa cobre muito bem os acontecimentos que envolveram os Puccios, dando ao público informações completas sem ser cansativo. São quase duas horas de projeção recheadas de boas músicas populares que marcam as cenas e fazem um interessante contraponto com o que vemos. O grande destaque da trilha, que pontua o início e o fim do filme, é Sunny Afternoon, dos Kinks, canção animada que já deixa o público ansioso pelo que virá.

Politicamente engajado, Trapero não deixa de fazer críticas e dar algumas cutucadas. A sangrenta ditadura pela qual o país passou e acabava de sair produziu gente como Arquímedes Puccio, ou ao menos os recebia muito bem. E a burocracia vigente acobertava o que fosse necessário, fornecendo meios para a violência continuar. A lei poderia funcionar para outros, não para quem estava com o governo. Os filhos, que se consideravam inocentes e aparentavam estar incomodados com as ações do pai, logo entraram na festa, vendo o dinheiro arrecadado. As altas quantias movimentadas compravam facilmente o silêncio de todos. E os sequestros e mortes se tornaram parte do dia a dia dos Puccios, que passaram a ver aquilo como normal.

Tecnicamente impecável, O Clã alterna bem momentos de tensão com drama e até cenas mais engraçadas. Não à toa, o filme já ocupa a segunda posição em bilheteria na história do cinema argentino, perdendo apenas para a grande surpresa do ano passado, Relatos Selvagens. Segundo a BBC News, de quinta a domingo, na estreia, foram mais de 505 mil bilhetes vendidos, o que equivale a 53% do público que foi aos cinemas. Premiado no Festival de Veneza com o Leão de Ouro, entre outras menções importantes, o filme é o indicado da Argentina à seleção de filmes estrangeiros para o Oscar 2016.

Peter Lanzani, Pablo Trapero e Guillermo Francella levaram o filme a Veneza

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é atualmente mestrando em Design na UEMG. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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