Spectre fecha o arco de Daniel Craig

por Marcelo Seabra

Um agente secreto agindo sozinho, por conta própria, descobre a existência de uma grande organização criminosa e, na missão de desbaratar o grupo e pegar o líder, só pode contar com os colegas mais fiéis, que arriscam suas carreiras. Ao mesmo tempo, seu superior deve lutar para que o governo não acabe com a própria companhia que os emprega. Poderíamos estar falando de Missão: Impossível – Nação Secreta (Mission: Impossible – Rogue Nation, 2015), mas essa acontece de ser também a trama de 007 Contra Spectre (Spectre, 2015), nova aventura do espião mais famoso do Cinema.

Depois de realizar o fantástico Skyfall (2012), o diretor Sam Mendes voltou ao universo de Ian Fleming com a aparente intenção de homenagear a série. Algumas cenas e sequências remetem a outros episódios, até o figurino do vilão parece escolhido com essa intenção. Os mesmos três roteiristas, John Logan, Neal Purvis e Robert Wade, criaram a história e contaram com Jez Butterworth (de James Brown, 2014) para finalizar o texto. A homenagem já começa da premissa: a S.P.E.C.T.R.E. é uma organização clássica que já esteve por trás de muitos problemas vividos por James Bond. E retomar esse tom mais fantasioso derruba a ideia de deixar Bond mais próximo de real, como vinham fazendo os filmes anteriores. Este novo segue tentando humanizar Bond, mas se confunde em vários momentos e volta a mostrar um personagem raso, que serve às necessidades do roteiro.

Daniel Craig se diverte vivendo situações absurdas e passa muita segurança no papel, liderando um bom elenco. A mocinha da vez é vivida por Léa Seydoux (do quarto Missão: Impossível) e o que vai acontecer com ela é bastante previsível, e inclusive repete muito uma outra bond girl recente. E o vilão, o sujeito por trás da Spectre (cujo nome não é tratado como uma sigla, mas como um substantivo), é Christoph Waltz (de Django Livre, 2013), em mais um personagem educado, inteligente e sádico, como tantos outros de sua carreira, correndo um risco enorme de ficar estereotipado. Ele dá a impressão de ser muito mau, mas apenas nos levam a crer nisso, relatando seus feitos. A verdade é que ele é mal aproveitado e se torna apenas mais um megalomaníaco padrão. Apesar da tentativa de lhe dar um histórico, suas motivações nunca são reveladas. E coincidências do passado soam como forçar a barra além da conta. A forma como tudo é amarrado é interessante e nos dá uma sensação de unidade, de que tudo foi pensado desde o início, mas se conclui de forma fraca.

Personagens geralmente relegados a segundo plano têm a chance de participar mais ativamente. Um exemplo é M (o ótimo Ralph Fiennes, de O Grande Hotel Budapeste, 2014), que tem uma subtrama só para ele, duelando contra o suspeito C (Andrew Scott, de Sherlock) para proteger o programa 00. E Q (Ben Whishaw) e Moneypenny (Naomie Harris) partem para a ação para ajudar Bond. Outras novidades, além das já mencionadas, respondem por Monica Bellucci (de As Idades do Amor, 2011) e Dave Bautista (de Guardiões da Galáxia, 2014), fechando o grupo principal.

Uma característica marcante de 007 é a música-tema. A mais recente, Skyfall, deu a Adele e à franquia um Oscar. Era de se esperar algo na mesma altura. E nos deparamos com um certo Sam Smith sofrendo horrores em sua interpretação de Writing’s on the Wall, nos torturando com seu falsete. E o instrumental, nada memorável, é provavelmente o mais discreto das últimas músicas. É engraçado perceber que os temas da “era Craig”, se organizados por qualidade, ficariam na mesma ordem que os filmes: Cassino Royale (2006) e Skyfall à frente, Quantum of Solace (2008) em último e este Spectre no meio do caminho. Resta saber se Craig honra seu contrato e faz mais um ou se ele pula fora, já que “prefere cortar os pulsos a fazer mais um James Bond”, como afirmou publicamente.

Mendes, no meio, apresenta seu elenco

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

View Comments

  • Seabra, eu gostei do filme. Mas, me explica uma cena. O Bond foi atrás do líder da Spectre, lá no deserto e ele estava sendo esperado? Achei desnecessária essa cena. Faltou criatividade.

    • Fred, preparamos um podcast com Spectre comentado com spoilers. Não vou falar aqui pra não estragar, mas ouça lá quando sair. Abraço!

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