Zemeckis cruza os céus com A Travessia

por Marcelo Seabra

Em 1974, o artista francês Philippe Petit realizou um feito que é conhecido até hoje como o maior crime artístico do século: ele andou entre as duas torres do recém-inaugurado World Trade Center em um cabo. Petit reuniu um grupo de amigos que foi para Nova York, estudou a situação e montou tudo sem nenhuma autorização oficial, ferindo um bocado de leis e colocando a população lá embaixo em êxtase. Depois de ser contado em um documentário premiado, o fato agora ganha uma dramatização ficcional com cara de Oscar: A Travessia (The Walk, 2015), que está nos cinemas.

Diretor de obras amadas como a trilogia De Volta para o Futuro e Forrest Gump (1994), Robert Zemeckis imprime na história um tom de fábula, como é comum em sua obra. A diferença é que trata-se de uma história real, ao contrário, por exemplo, do recente O Voo (Flight, 2012), que também narra uma façanha improvável. Baseado no livro do próprio Petit, o roteiro explora bem seu protagonista, construindo uma história interessante que acompanhamos até chegar ao momento mais esperado. Conhecemos o passado do sujeito, suas motivações e o caminho percorrido para chegar aonde chegou. O tom descontraído e até engraçado vai dando lugar à tensão do clímax, deixando aflito até quem conhece a história. Parece um filme de roubo, a condução segue a mesma estrutura, mas ninguém rouba nada.

Quem dá vida a Petit (acima) é Joseph Gordon-Levitt (de Sin City: A Dama Fatal, 2014), ator que tem construído uma carreira interessante, com projetos bem variados. Duas coisas causam certa estranheza: a maquiagem à Looper (2012) que o deixa bem diferente, completada por um cabelo de cuia que o aproxima bem da aparência de Petit, e o uso do francês, que nos faz questionar se não teria sido melhor recrutar um ator que tivesse o idioma como língua nativa. Uma vez vencidos estes dois pontos, conseguimos entrar de cabeça na trama. Os demais membros do elenco também fazem um bom trabalho, mesmo que seus personagens não sejam tão bem desenvolvidos e acabem se confundindo entre si. Sir Ben Kingsley (de Êxodo: Deuses e Reis, 2014) é o principal nome, vivendo o mentor de Petit, outro com sotaque estranho.

Como é costume para Zemeckis, temos tomadas e ângulos fantásticos que não só nos dão todas as informações necessárias, como de um ponto de vista criativo. A fotografia, de Dariusz Wolski, nos proporciona cenas de tirar o fôlego, nos colocando no alto, junto com Petit. A caracterização da época é bem rica, o que nos transporta para aquele cenário. E a trilha sonora de Alan Silvestri completa a experiência, alternando entre temas mais clássicos e discretos e os mais agitados, jazzísticos, que combinam muito bem com a ação. Para quem não conhecia a história, que não assistiu a O Equilibrista (Man on Wire, 2008), A Travessia pode ser ainda mais instigante. E ainda serve como uma bela homenagem ao World Trade Center, que é praticamente um personagem.

Gordon-Levitt, Zemeckis e Petit nos sets, em Montreal

Marcelo Seabra

Jornalista e especialista em História da Cultura e da Arte, é mestre em Design na UEMG com uma pesquisa sobre a criação de Gotham City nos filmes do Batman. Criador e editor de O Pipoqueiro, site com críticas e informações sobre cinema e séries, também tem matérias publicadas esporadicamente em outros sites, revistas e jornais. Foi redator e colunista do site Cinema em Cena por dois anos e colaborador de sites como O Binóculo, Cronópios e Cinema de Buteco, escrevendo sobre cultura em geral. Pode ser ouvido no Programa do Pipoqueiro, no Rock Master e nos arquivos do podcast da equipe do Cinema em Cena.

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